Cartas de Maio (16)

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“O AMOR DE MÃE SUPERA TUDO”

Foi tudo por ele, sempre.
Os meus melhores e piores momentos, minhas mais ternas emoções por este filho que Deus me enviou. Eu era tão moça, tão jovem. Casei com um homem que eu amava e desejei ser mãe desde sempre. Quando era pequena brincava com minhas bonequinhas e era apaixonada pela ideia de, um dia, poder segurar um bebê, de alimentar e educar um bebê, o meu filho.

Casei e recebi a graça de engravidar. Meu marido me tratava bem com carinho, mas de repente, percebi que ele estava diferente, mudado. Chegava em casa tarde e passou a me desprezar, mas me contive porque imaginei que fosse por causa da gestação, afinal, pode acontecer do marido repudiar a esposa, era o que me diziam. Eu estava tão feliz com minha fase de gestante que deixei para lá, não queria estragar minhas emoções por causa da desavença com meu esposo. Eu estava tão agradecida por ele ter me dado um filho, eu o amava tanto por isso.

Os meses ser passaram e sem que eu pudesse perceber, meu marido se distanciava de mim, cada vez mais e arquitetou um plano. Ele estava me traindo e não me queria mais. Ele quis se separar de mim e eu sofri muito, mas nem tanto porque sabia que não estaria sozinha, eu tinha meu filhinho e isso era tudo o que importava para mim, mas a nova mulher do meu esposo julgou que eu não poderia criar meu filho com dignidade e deveria abdicar da criação dele.

Eu não acreditei quando Marcelo me falou com todas as palavras isso que estou descrevendo. Eu que sempre desejei um filho, eu que sempre fui mulher honesta e trabalhadora, eu que sempre fui boa esposa deveria perder o meu marido e ainda abdicar do meu bebê?
Mas como?
Seria possível uma coisa dessas?

Eu estava quase para ganhar o meu nenê e era obrigada a ouvir isso. Chorei e não pude mais esperar. Eu arrumei minha mala e voltei para a casa dos meus pais, afinal, eu tinha família. E foi isso o que eu ouvi dos meus pais maravilhosos. A revolta tomou conta dos meus familiares, aquilo era um absurdo. Tomar o meu bebê...

O momento esperado chegou e eu estava angustiada com o que poderia acontecer. Eu tive medo que alguém me dissesse que eu teria que entregar meu filho para eles. Quando o Miguel nasceu foi o dia mais feliz da minha vida e toda a dor do parto normal ainda não foi suficiente para me tirar o sorriso do rosto, para reduzir o meu contentamento de tê-lo em meus braços. Foi mágico, perfeito.

Continuamos com meus pais, o Marcelo veio ver o bebê e chorou. Naquele momento acho que ele foi tomado pelo arrependimento porque nós tínhamos tudo. Ele não precisava ter buscado nada fora de casa. Ele me pediu perdão e disse que eu deveria retornar para nossa casa. Perguntou se eu poderia deixar para trás tudo o que ocorreu e aceitá-lo como esposo e pai do menino. Eu ainda o amava e estava tão feliz, tão emocionada. Eu sempre quis a minha família e merecia tê-la.

Eu voltei para o meu lar com meu troféu que era o Miguel. Fiquei casada quarenta anos com o Marcelo e fui muito bem tratada depois desse inconveniente, dessa traição. Nunca mais tive motivos para falar do meu esposo. Tivemos outros filhos que foram igualmente importantes e compreendi que O AMOR DE MÃE SUPERA TUDO. Supera qualquer adversidade, qualquer problema e nos torna pessoas muito divinas. Graças a Deus.
MICHELE
           05/05/18

--------------------------------Paula Alves------------------------------

“PARECE QUE SÃO ANJOS MESMO”

Imagina! Tirar filho de mãe!
Eu sempre dizia isso e duvidava quando me falavam que eu podia perder a guarda das crianças. Nunca um seu alguém vai tirar filho de mãe, mas eu abusei. Sei que você vai falar que eu fiz tudo aquilo porque fui uma criança abandonada, tive problemas existenciais e nunca poderia doar afeto porque tinha os sentimentos atrofiados pela ausência de amor que devia ter recebido de minha mãe, mas não é só isso. Foi maldade mesmo e eu tenho consciência disso.

Fui mãe e tive dez filhos. No início foi descuido, namoradeira, quando vi estava grávida. Me deu até raiva. Só de pensar que tudo ia mudar por causa daquela barriga. Não teve jeito e quando percebi estava parindo. Foi um horror, eu nunca tive jeito para essas coisas. Sofrimento demais. Do início ao fim só dor e miséria. O pai da criança eu nem sabia quem era. Fiquei sozinha mesmo e foi bem ruim porque meu pai quis acabar comigo e me colocou para fora de casa, eu fui pra casa da minha tia. Só ouvia xingo e humilhação. Ninguém nunca me falou que era coisa boa ter filho, só desgraça. Eu ia pensar o quê? Beleza, o menino nasceu e eu toda arruinada por baixo nem quis saber do moleque. Cheia de raiva da criança que chorava o tempo todo e ainda tinha que cuidar daquela criatura dia e noite toda cansada. Quis dar, mas ninguém queria o menino, então tive que ficar com ele. Logo arrumei um romance e juntei os trapos. Tive mais três filhos deste homem que resolveu ir embora me deixando as crianças. O jeito foi pedir, fui para o farol e ensinei a pedir. Mas, como tem gente boba no mundo ensinei a cometer pequenos delitos, só roubinho a toa, não prejudicou ninguém, mas aqui tudo é seriedade e eu já fui repreendida porque falaram que eu mexi com a cabeça dos meninos, ensinei o caminho errado e tinha que ensinar só fazer o bem.

Eu não podia ser mãe porque não sabia ensinar fazer o bem. O problema é que tem gente boa por aí. Eu achei um homem que me quis com os quatro e se juntou comigo. Tive mais seis com ele e se não fosse tão torta eu tinha virado gente. Eu não tinha afeto para dar, mas meus filhos eram bons comigo, sempre foram. Impressionante como criança tem o que ensinar pra gente. Parece que são anjos mesmo. Você fala pra roubar e vem cheio de lição de moral, dá até raiva. Você ensina a seguir errado e eles tentam corrigir a gente. Eu fui envelhecendo e eles crescendo, tornando homem e mulher. Cuidando de mim. Nunca me negaram nada. Tudo com empreguinho direito, sempre seguindo o rumo certo. Nem sei de onde tiravam tanta bondade porque eu nem ensinei, eles que me ensinaram que eu sou ruim. Chegavam abraçando e beijando, querendo carinho, coitadinhos (choro) e eu não conseguia abraçar.

Por que é que eu não consigo?
Eu tentei no fim. Eu já estava velha e querendo bater. Velha e ralhando. Vendo defeito em tudo o que faziam e todos bons comigo. Eu tive muito mais do que mereci, sempre. Eu sinto vergonha, me arrependo, mas não sei doar. Eu lembro o olhar do meu mais velho que foi o que mais sofreu e eu sinto remorso. Será que, se eu tivesse me esforçado mais, tinha nascido amor em mim?

Eu ouvi falar do amor de mãe e eu ganhei amor dos meus filhos. Sou muito ruim mesmo.
ANÁLIA
05/05/18

------------------------------Paula Alves-----------------------------
“EU ACHEI DE VERDADE QUE ISSO ERA SER MÃE”

Eu batia sim, batia porque eu tinha que transformar em gente decente. Você não tem ideia de como eram meus filhos. Estavam sempre aprontando, sempre fazendo arte e eu era a mãe. Eu tinha que ensinar. Se você não ensina desde novo, não corrige nunca mais. Na minha época era bem pior, o pai batia com varinha de marmelo. Ficava até sem comer para aprender a respeitar os mais velhos, os superiores. Na minha casa eu só olhava, tinham um medo que se pelavam todos.

Era bonito de ver na igreja todos quietinhos. Via os filhos da vizinha correndo antes da missa e os meus firmes, nem se mexiam. Eu ficava orgulhosa, mas no que deu tanta imposição?

Eu achei de verdade que isso era ser mãe. Eu achei que se fizesse carinho eles iam ficar sem vergonha. Tinha vez que eu até sentia vontade de brincar com eles, fazer um cafuné, mas depois eu pensava que se fizesse isso, eles iam achar que eu era fraca e ia dar muita confiança pra eles. Sempre fui firme, dura, acho que dura demais. Eu os amava muito, fiz achando que era meu papel.
Cresceram meus filhos e eu percebi em todos eles o desespero para sair de casa. Minhas filhas arrumaram logo o casamento e eu achei bom porque não queria filha desonrada, mas o casamento não prestou, de nenhuma delas. Duas voltaram para minha casa e a outra foi viver por aí, só me deu dor de cabeça a Laura. Os meninos, então, foi pior porque arrumaram emprego em outra cidade e o que casou foi com uma mulher que mandava nele, que vontade que eu tinha de acertar aquela nora. Tão impetuosa e agressiva com meu filho coitado, sofreu com aquela mulher.

Eu fui ficando tão sozinha, a casa não era mais como antes e quando apareciam para me visitar nem se demoravam numa conversa, nem queriam provar do meu almoço, nada. Eu percebi sim, eu notei e senti. Me pergunto se fiz tudo errado porque a casa daquela vizinha sempre esteve cheia de filhos e a minha não.
AUGUSTA
05/05/18

--------------Paula Alves-----------------

“EU FUI MÃE SIM. APESAR, DE TUDO O QUE FIZ DE ERRADO”

Infelicidade quando recebi do médico a informação de que não poderia mais ser mãe. Eu fiz de supetão. Eu nem pensei no futuro só não queria levar problemas para os meus pais. Engravidei do meu namorado, mas eu era tão jovem. Sabia que não tinha condição para casarmos e termos o bebê.

Ele me ajudou em tudo e eu tentei tirar a criança. Nem sei o que foi que deu errado e eu tive que ser socorrida, mas demorou. No hospital todo mundo percebeu o que eu tinha feito e as enfermeiras lançavam olhares de revolta para mim, doía muito e eu achei que perder tanto sangue fosse me matar, mas não, só matou o bebê. Pura imprudência! Não pense que me alegra ou me orgulho do que eu fiz, pelo contrário. O arrependimento bateu ali mesmo, quando senti que tudo havia acabado e alguém sofria assim como eu, um inocente. Um arrependimento que me dilacerou e me fez sentir horror de mim mesma para sempre, até agora.
Como pode perdurar para além da vida do corpo?

Só Deus para explicar. Enfim, o médico cuidou de mim e limpou todo o estrago que eu fiz com meu corpo, mas precisou remover o meu útero. Sim, aquele que deveria alojar outro feto se foi. Perdi completamente a chance de ser mãe com aquela imprudência e soube que iria sofrer para sempre.

Continuei minha vida sendo apontada por muitos anos porque todos onde eu morava souberam do que fiz. Anos se passaram e eu conheci um jovem bom com quem me relacionei e me propôs casamento. Eu precisei ser honesta e dizer que não podia ser mãe e ele disse que não poderia continuar nosso romance porque desejava ter família. Eu já estava colhendo os frutos de minha irresponsabilidade.

Passaram mais sete anos, conheci o Luís Sérgio e novamente pensei que seria abandonada, mas me enganei. Ele se tornou meu esposo e me amou demais. Me auxiliou e conseguimos adotar a Marília que chegou em nosso lar com dois anos e meio, ela veio trazer a luz para minha vida. Depois veio a Viviane que chegou com cinco aninhos e foi tão boa para nós e para a irmã. Eu ainda queria mais e recebemos o Téo (Teodoro) que nos encheu com seu entusiasmo. Eu fui mãe sim. Apesar, de tudo o que fiz de errado, Deus ainda me contemplou com uma linda família. Creio que meus filhos nada se diferem dos filhos das outras mães porque não foram gerados por mim. Nós nos amamos tanto, tanto. Eu pude nutrir o mais terno amor, pude adquirir as mais belas virtudes por meio da maternidade e cheguei a pensar que Deus sabe mesmo de todos os nossos passos. Eu acho que Ele sabia das minhas escolhas que tudo iria fazer chegar nessas criaturas abençoadas que foram abandonadas por suas mães de sangue para chegarem nos meus braços. Eu sou muito feliz.   
LUCIANA
05/05/18


-------------------Paula Alves-----------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“MINHA MÃE É UM SER TÃO ILUMINADO”

Éramos só nós duas. Meu pai morreu jovem depois que sofreu um acidente no local em que trabalhava. Minha mãe sofreu muito. Ela nem conseguia acreditar que meu pai tinha morrido. Eu tinha nove anos. Chorei quando vi que nunca mais meu pai voltaria para casa, mas minha mãe foi tão terna e delicada me explicando que o papai precisava ir com Deus. Eu achei bonito imaginar que meu pai estaria ao lado de Deus, devia ser uma honra pro meu pai e eu sorri. Desejei que fosse verdade e sempre pensava nele deste jeito.

Nós prosseguimos e minha mãe nunca reclamou. Ela arrumou serviço na casa de uma senhora bondosa. Ela permitiu que eu ficasse com minha mãe. Ela trabalhava duro e fomos bem tratadas. Logo, comecei a trabalhar e a vida foi ficando um pouco mais fácil. Ela era tudo para mim. Minha amiga, meu pai, meu alicerce, minha fortaleza. A mulher mais sábia que eu conheci.
Aos poucos, fui notando que a saúde dela estava frágil e fiquei preocupada. Nem sei explicar, mas era como se fosse meu bem mais precioso e eu nem poderia imaginar minha vida sem ela. Fui atrás de um médico, fizemos exames e tivemos a certeza de que ela tinha um problema grave no coração. Ela parou de trabalhar, mas era complicado para mim, sair e deixá-la sozinha? Eu trabalhava preocupada o dia todo. Um sofrimento danado você ficar imaginando o que pode acontecer com quem você ama.

Deus me presenteou colocando um bom homem no meu caminho. O Otávio apareceu e me encheu de felicidade. Minha mãe gostou dele e aprovou nosso relacionamento. Ela era tão especial que também se preocupava com minha solidão e falava sempre que eu devia me casar para não ficar sozinha, mas eu não me preocupava com a solidão. Eu me preocupava com a ausência dela.

Eu me casei e minha mãe esteve presente no casamento, dois dias depois ela faleceu. Eu não consegui entender. Chorei e me desesperei. Parecia que tinham tirado um pedaço de mim. Eu sofri com o que nós ainda não tínhamos vivido, ela não iria ver meus filhos, nem abraçá-los. Eu precisava dela para conversar e receber o afeto de sempre. Eu me culpei achando que poderia ter tratado do coração antes, mas como? Eu levei anos me perguntando por que Deus havia tirado minha mãe de mim e sei que não deveria ter sido leviana com o Pai, mas eu fiz isso. Eu não sabia que a morte não existe. Eu não reconheci nossa imortalidade e achei que estava ficando sem ela para sempre. Na verdade, há pouco tempo compreendi que ela sempre esteve perto, à medida que obteve permissão para isso. Minha mãe é um ser tão iluminado. Ela não sofreu, recebeu socorro imediato e esteve aguardando a possibilidade de me auxiliar porque eu sim sofri.

Depois de tantas décadas, depois de ter construído uma linda família, ainda assim, não aceitava o desencarne dela e vaguei por um tempo após meu desencarne. Eu vaguei perdida no delírio da revolta e da incompreensão. Ela me observava, mas nada podia fazer porque eu devia voltar ao Pai e voltei. Quando voltei, ela estava aqui, esperando por mim. Sou feliz, agradecida, mas compreendo que devo me tratar porque a posse me fez sofrer. Eu preciso compreender tantas coisas. O desencarne como coisa natural e o amor com liberdade.
CLAUDETE
13/05/18

---------------------------Paula Alves----------------------

“TODOS OS ADJETIVOS SERIAM POUCO PARA DESCREVER MINHA MÃE PORQUE ELA ME ENSINOU A SER BOM E CORAJOSO”

Faltava tudo. Quanto desespero!  Eu cresci assim, com carência de bens materiais. Via minha mãe contar moedas para tudo. Tinha mais três irmãos mais jovens e eu via minha mãe correr de um lado para outro para dar conta do serviço, da casa e das crianças. Eu fazia o que podia para ajudar e não me queixava porque eu achava bonito ver o quanto ela se esforçava por nós. A pobreza doía no corpo emagrecido e, um dia, já na adolescência, comecei a questionar por que nós não tínhamos pai. Eu concluí que nossa vida era bem mais difícil que a dos nossos amigos que tinham pai e mãe. Eu achei que fosse culpa dela porque nosso pai não estava em casa com a gente. Ela nunca falava dele e eu pensava tanta coisa ruim. Pensei que ele fosse criminoso, que fosse casado e que tinha rejeitado a gente. Minha mãe poderia ter fugido e abandonado meu pai tornando nossa vida insuportável.

Ela não queria comentar e eu fiquei sem saber o porquê de tanta dificuldade. Eu precisei crescer para trabalhar e perceber que ela não queria denegrir a imagem de pai que podíamos ter. Foi meu pai que nos abandonou justificando que em outra cidade a oportunidade de emprego era maior. Ele jurou que voltaria para nos buscar e isso nunca aconteceu.

Eu pedi perdão para minha mãe quando ela me contou isso porque a vida toda eu fiz com que ela se lembrasse do abandono, mas não foi por maldade. Eu agradeci a Deus pela mãe que nós tivemos tantas vezes e ainda agradeço. Ela foi tudo. Foi mulher de fibra, foi leal, foi delicada e honrada também. Todos os adjetivos seriam pouco para descrever minha mãe porque ela me ensinou a ser bom e corajoso. Ela me ensinou a ser um homem.

Eu me casei, tive mulher e filhos. Todas as vezes que eu tinha dúvida de como proceder, imaginava o que ela faria, como escolheria o melhor caminho. Ela me ajudou até quando esteve afastada de mim.

Quando cheguei aqui tive a bendita noticia que iremos nos reencontrar novamente. Eu estou muito feliz porque agora seremos irmãos. Ela é uma pessoa boa demais. Sei que, de alguma forma, nos reconheceremos.
ADALBERTO
13/05/18

-------------------Paula Alves--------------------

“EU SENTI FALTA DE ALGUÉM PARA ME COBRIR DE AFETOS”

Nosso relacionamento sempre foi complicado. Parecia que ela fazia de tudo para me perturbar e o pior é que ela me dizia a mesma coisa. Dentro de casa era só gritaria e eu já estava enlouquecendo. Eu tinha pai, irmãos, mas meu problema sempre foi com minha mãe. Eu sentia até inveja do relacionamento que ela tinha com meus irmãos e também tive inveja dos meus amigos porque via como eram tratados pelas mães.

Eu passei a vida toda tentando entender por que a gente não podia nem se olhar. Estranho porque ela era boa. Eu sabia apreciar diversas qualidades da minha mãe, mas não comigo.
Faltava paciência sabe?
Ela sempre falou que não devia ter engravidado de mim, contava uma história triste de quando estava grávida, teve complicações de saúde e precisou fazer repouso, sofreu...

E eu tinha que ouvir a história e saber que ela tinha sofrido por minha causa. Estranho!
Fui levando, sem entender as surras que só eu levava. Sem saber por que eu não podia comer o que eu queria dentro de casa porque tinha que deixar para os outros, mas na minha vez ela nem ligava quando acabavam com tudo.

Todo mundo tenta explicar e falar que eu era terrível, mas eu nunca fui, era bem o contrário. Eu tentava ser o aluno exemplo, consegui uma boa chance de emprego porque sempre fui disciplinado e estudioso. Eu nunca soube explicar. Quando ela estava para desencarnar, me chamou e pediu desculpas porque ela também sentiu, a vida toda, constrangimento em me fazer um carinho, dizer que me amava. Ela queria me tratar como os outros, mas não conseguia. Ela falou que a gente devia ser muito parecido e “o santo não batia”.

Eu só entendo agora, mas ainda não superei. Eu compreendi que fizemos mal um para o outro em outras existências. Eu me lembrei de um amor não correspondido e demorei para aceitar que aquela dama era minha mãe. Eu vi a minha amargura e minha revolta. Eu consegui enxergar em mim, o homem que tantas vezes a perseguiu, mas tudo devia ter ficado para trás com esta chance de sermos mãe e filho. Eu ainda sinto as dores daquelas surras. Eu senti falta de alguém para me cobrir de afetos. Ela estava ali para isso e ela se recusou.
Quem tem culpa disso?
Como eu posso esquecer?
ALCEU
13/05/18

--------------------Paula Alves---------------
“NÓS SÓ CONSEGUIMOS ENTENDER UM POUCO NOSSAS MÃES QUANDO TAMBÉM NOS TORNAMOS MÃES”

Foi ela quem falou que eu deveria ouvir o que ela dizia, senão poderia me arrepender. Eu duvidei que minha mãe teria coragem de fazer o que fez para defender os interesses da família. Eu sei que agi errado e me envolvi com um homem casado. Minha mãe ficou irada quando soube e disse que eu não podia prejudicar a família por causa de ato insano.

A gravidez fez com que ela agisse planejando meu futuro e eu não pude acreditar que continuaria com aquilo. Ela me afastou de tudo e ficamos ausentes no interior durante toda a gravidez. Quando meu filho nasceu, ela simplesmente organizou tudo para entregá-lo para outra família. Eu ainda estava debilitada por causa do parto, mas quando percebi o que ela desejava fazer, virei uma onça. Gritei com ela que se espantou porque eu nunca a havia afrontado. Peguei meu bebê e disse que jamais o tirariam de mim. Minha mãe pensou e rapidamente sugeriu que eu fosse embora porque não irai voltar para casa conosco. Falou que ela poderia esquecer os meus desaforos, mas não queria o bastardo. Eu nem respondi, arrumei as poucas coisas que tinha, peguei o bebê e saí.

Eu precisei contar com o apoio de pessoas bondosas que Deus foi colocando no meu caminho para superar esta situação e criar meu filho com o mínimo de dignidade. Quando criei coragem me apresentei ao restante da minha família exigindo alguns recursos do quais eu sabia ter direito. Meu pai e irmãos se surpreenderam com o que contei e tivemos uma longa discussão. Meu pai não sabia do menino e pediu que eu voltasse para casa, minha mãe afirmou para todos que eu havia fugido com um namorado.

Eu voltei para facilitar a criação do meu menino, afinal nós estávamos morando de favor. Nós duas nunca nos entendemos porque eu era a vergonha da minha mãe. Eu que também era mãe e amava tanto o meu filho não conseguia entender como ela podia passar tudo na nossa frente.

Ela se preocupava com questões absurdas relacionadas à sociedade e aos recursos financeiros. Eu só queria amar. A maternidade para mim era o auge da minha existência. Era o amor mais sublime que eu tinha alcançado e comecei a sentir pena da minha mãe porque ela mostrava claramente que não sabia amar. Eu agradeci a Deus por ter aproveitado meu filho enquanto estivemos juntos e depois que percebi tudo isso ficou um pouco mais fácil ficar perto dela.  Nós só conseguimos entender um pouco nossas mães quando também nos tornamos mães.
CINTIA

          13/05/18

---------------------------Paula Alves-------------------------
Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“EU NÃO PRECISAVA TER ARRUINADO MINHA VIDA POR CAUSA DO ORGULHO, VERGONHA DE PEDIR”



No início foi por necessidade. Eu precisava comprar leite para o meu filho e o dinheiro havia acabado. Eram muitas as despesas, tinha o aluguel e a Maria Clara tinha adoecido. Minha esposa sempre foi tão forte, mas naquele mês choveu tanto e a coitada lavando roupa, levando roupa pra cima e pra baixo, pegou pneumonia e eu precisei de dinheiro para o remédio.

Eu trabalhava no caixa e era um funcionário de confiança. Eu nunca havia me envolvido em nada ilícito. Nunca havia cometido roubo, furto, nenhum ato de violência. Naquele dia, o menino estava sem leite e nem pensei duas vezes, roubei. Eu só peguei a quantia certinha para comprar o leite e justifiquei o ato porque o menino teve contentamento quando ingeriu o leitinho. Fui dormir na certeza que, assim que recebesse, iria devolver a quantia que peguei no caixa, então, não seria mais roubo, seria empréstimo.

Só que não foi isso o que aconteceu. Quando eu cheguei ao trabalho, me deparei com meu chefe nervoso por causa da mulher dele e achei muito revoltante ele descontar tudo nos funcionários. Era uma situação estranha de humilhação e desprezo. Nenhum chefe deveria tratar um funcionário, desta forma, porque ele sabia que nós não iríamos dizer verdades que ele merecia ouvir porque ninguém queria confusão com chefe. Ninguém queria perder o emprego. Ele gritava e humilhava uns e outros. Ninguém escapava do nervoso daquele homem.

Eu senti raiva e indignação. Pensei no furto e ri, no fundo, eu achei bem feito. Ele bem que merecia o que eu tinha feito e, depois disso, comecei a roubar por puro prazer de vingança.

Roubei bastante, de forma discreta, mas roubei tanto que consegui até comprar um carrinho. Minha esposa estranhou e eu tive que mentir para ela, falando que tinha sido promovido e ela ficou toda feliz. Minha esposa era um poço de virtude. A mulher não ficava com uma moeda que tinha sido dada no troco por engano, ela devolvia. Ela fazia todo o serviço de faxina com a maior honestidade. Não saia antes da hora e tentava fazer, além do que era combinado, para cativar a patroa. Todos gostavam dela, não faltava serviço.

Era difícil, ela chegava sempre bem cansada depois de pegar ônibus cheio e ela ficou feliz em pensar que eu havia sido promovido. A situação poderia ter sido boa para mim, se minha esposa não fosse tão correta e cheia de escrúpulos. Parecia até que ela sabia que eu estava aprontando, eu sei que ela nunca me perdoaria. Ela se orgulhava de falar para nosso filho que éramos pobres íntegros, bons trabalhadores. Parecia que tudo o que ela dizia estava sendo indireta para mim. Eu comecei a me ofender e a me irritar no lar, com minha amada esposa. Ia dormir com a cabeça quente, só pensava em dinheiro e no que eu queria adquirir. Fiquei tão ganancioso e, aos poucos, nos tornamos diferentes. Ela parecia tão pobre, tão acomodada, sem ambição.

Eu não dormia direito e me irritava com o sono pesado da minha esposa. Ela dormia como um anjo e eu nunca mais dormi direito. Hoje eu sei que minha consciência estava me cobrando das minhas faltas. Foi indo, me separei dela, não antes de tê-la traído e de ter ferido seus nobres sentimentos. Eu joguei fora uma vida simples, mas cheia de paz e honestidade.

O fim veio com a bebida, com as farras. Fui descoberto porque fiquei deveras ganancioso e passei a roubar somas cada vez maiores. Me prenderam e foi na cadeia que paguei tudo o que devia, sofri bastante. Lá, tive tempo de pensar na Maria Clara e no meu filho. Me arrependi e tive um desejo enorme de voltar no tempo e não fraquejar. É certo que tudo começou por causa da fome do meu menino, mas sempre tem o caminho do bem. Se eu tivesse pedido dinheiro para algum familiar ou um amigo, ninguém iria me negar. Eu não precisava ter arruinado minha vida por causa do orgulho, vergonha de pedir.

Depois que desencarnei, ficou pior para mim porque eu senti as orações deles. Maria Clara e meu filho Gabriel sempre fizeram orações por mim e eu sentia amor vindo deles, chorei tanto, me arrependi por demais. Eu não consigo me esquecer do que fiz e me arrependo. Eu joguei uma vida boa no lixo por causa da ganância.
SAMUEL
19/05/18
-----------------Paula Alves-------------

“NÃO SE DEVE MATAR NENHUM INSETO, QUEM DIRÁ UMA PESSOA”

Era um plano perfeito. Ninguém jamais suspeitaria de mim. Sempre fui uma esposa tão boa, acima de qualquer suspeita. Tive que suportar o temperamento daquele marido por quarenta anos.

Me casei novinha com um homem muito mais velho do que eu porque meu pai não dava conta dos filhos que foi fazendo. Fui entregue como uma porca. Casei contrariada, sofri sem carinho, tudo na marra. A sorte é que o desgramado ganhou muito dinheiro. Foi aumentando os bens da família e quando percebeu estava rico. Eu fui obrigada a engravidar muitas vezes e fiquei cuidando da família, sem ter direito de falar nada, senão ainda era esmurrada. Foram quarenta anos, critique se puder.

Até que ele ficou doente e parecia que Deus estava entregando toda a conta do que ele havia me feito. Parecia que ia pagar tudo o que havia me judiado, mas percebi que era eu quem estava pagando a conta dele porque ele ficou inerte, mas ainda era mal criado. Eu fazia tudo porque ele não tolerava que ninguém o higienizasse, nem desse comida para ele. Os filhos ainda achavam que tinha que ser com o maior carinho, mas que carinho?

Eu nem sabia o que era isso vindo daquele homem. Eu cuidei por dois anos, mas parecia que ele estava mais forte e eu não aguentava mais aquela vida. Assisti um filme e achei que poderia reproduzir. Comecei a fazer a comida dele separada e dar pequenas doses de um anestésico fortíssimo que poderia levar ao colapso de alguns órgãos. Imaginei que, na situação que ele se encontrava, seria até melhor, iria mais rápido e eu precisava começar a viver.

Eu fiz isso e percebi que ele estava enfraquecendo, ele estava ficando cada dia pior até que num domingo frio, ele se foi. Eu nem sofri, achei que seria bom, eu teria paz, mas não.


Comecei a me sentir mal, parecia que eu tinha os mesmo sintomas dele e precisei procurar um médico que dizia que eu não tinha nada, mas porque a sensação de doença que me afligia?

Fiquei cada vez pior e, na mente, uma confusão estranha que me tirava da realidade e fazia cometer coisas ridículas. Meus filhos procuraram um psiquiatra que alegou que eu estava tendo um surto por causa da morte do meu esposo e me dopou. Eu fiquei assim por quinze anos, desencarnei e, depois de vagar sendo perseguida por meu esposo, cheguei aqui e fui esclarecida.

Eu ainda não concordo, eu ainda não quero vê-lo. Não sei como posso olhar nos olhos dele e confessar que eu acelerei a sua morte. Sei que ele ficou me cobrando depois de morto, foi a influência dele que me fez passar mal, como louca, mas eu tive tudo o que mereci. Eu já paguei. Se não se deve matar nenhum inseto, quem dirá uma pessoa. Mesmo que tenha sido tão leviano comigo.
ZILMA
19/05/18

--------------------Paula Alves----------------------

“VIDA A TOA” “NÃO SEI COMO PODERIA TER SIDO DIFERENTE”

Levaram tudo, saíram rapelando. Não sobrou nada em casa. Geladeira, fogão, cama, não sobrou nada. Os credores levaram tudo. Dívida de jogo do meu pai. Eu tinha vergonha das minhas amigas porque todo mundo sabia que o meu pai era viciado e a gente estava sempre passando necessidades. A mãe até tentava disfarçar, mas a vizinhança toda viu levando tudo da nossa casa. Que vergonha! Eu só olhei pela janela e me encolhi toda.

Minha mãe arrumava a casa tão bonitinha. Colocava toalhinha, tudo cheiroso e os pequenos ficavam brincando, enquanto a gente preparava o jantar, mas naquele dia não tinha jantar. Levaram tudo, guarda roupa com tudo dentro, armário com tudo dentro, tudo.

Os vizinhos riram, alguns ficaram chocados, achavam que a gente estava indo embora, mas o credor fez questão de falar que meu pai era viciado e caloteiro. Todo mundo ouviu.

Minha mãe não merecia, mas ele era um verme. Nunca trabalhava para levar dinheiro para casa, ia direto para o cassino. Que tristeza da mãe. O tempo passou, eu tenho outras lembranças, mas era sempre do meu pai fazendo coisa errada, minha mãe passando nervoso por causa dele e meus irmãos crescendo na vadiagem, igual o pai. Eu quis sair de casa, mas fiquei com pena da minha mãe, aí eu fui ficando e trabalhando para colocar comida na mesa. Eu não podia suportar quando percebi que eles estavam me roubando para jogar, para beber.
O dinheiro do aluguel e das nossas despesas essenciais, eles pegaram para pagar divida de jogo. Fiquei louca. Fui atrás deles e gritei pela rua, não tive mais medo de passar vergonha porque eu já estava acostumada. Minha mãe quando viu passou mal, desmaiou, ficou internada três dias e faleceu.

Que dor que eu senti. Ela era tudo o que eu tinha de bom. Arrumei minhas coisas e fui embora, não quis mais saber deles e foi difícil para mim porque por mais que a gente não queira lembrar, a família não sai da cabeça da gente.

Eu sei que ficou uma marca em mim. Eu não tive um pai que pudesse me orgulhar, só motivo de revolta e isso fez eu me isolar porque não podia confiar em nenhum homem com o pai que eu tive.

Vida a toa. Não sei como poderia ter sido diferente, nem se podia ter evitado aquela discussão. Eu acho que não porque a gente é do jeito que é. Agora fica este vazio que nada consegue preencher. Eu queria que tivesse um jeito de superar estes pensamentos, estas lembranças. Me informaram que voltaremos mais uma vez, todos juntos. Os papéis se inverterão. Pais como filhos e filhos como pais. Eu serei pai para fazer melhor do que ele. Nem sei se eu consigo. Preciso de muito estudo e conscientização de que cada um, só dá o que tem.
PENÉLOPE
19/05/18

------------------------------------Paula Alves-------------------------

Foi tanta graça alcançada. Cinquenta anos servindo a Deus. Fui mocinha para o convento e nunca me arrependi. Uma família tão pobre que dava até tristeza! Meu pai me ofereceu para igreja porque tinha feito promessa para Nossa Senhora.

Quase morri no parto e ele colocou a Virgem para me proteger. Eu nunca falei nada porque já estava prometida toda a vida. Eu só conhecia isso. Fui com treze anos e chorei para me separar de minha família, mas sabia que seria bom para mim e para eles também. Freira.

Eu logo fiz amizade com as outras irmãs que me receberam com enorme carinho. Foi tão bom, um quarto tão alvo, roupas tão lindas, tanta disciplina, logo me acostumei. Eu não senti dificuldade nenhuma não. Tinha todo o prazer de levantar cedinho e orava contente. Os anos passaram rápidos e pude compreender que servir o Senhor implica em renúncia e amor, desmedido amor pela humanidade.

Eram tantos trabalhos oportunos aos necessitados, que só me enchia o coração de alegria a certeza de que eu poderia ser útil, ser serva. Jesus guiando os passos e a Virgem enobrecendo minha alma de mulher empenhada em amar o próximo.

Foi sempre assim, uma existência casta e cheia de trabalho árduo. Cuidando dos famintos e doentes, das crianças desamparadas, eram muitos os núcleos de atuação. Mas, eu confesso que cheguei a me preocupar com os pais, por diversas vezes, sempre entreguei nas mãos do Senhor a minha jornada e também dos meus genitores.

Eu fiquei confusa quando cheguei aqui. Não tinha na mente esta visão do paraíso onde muitos trabalham e se preparam para retornar. Eu não pensava que fosse só uma etapa. Existiam questionamentos, sempre existem, mas eu não tinha tempo para pensar, preferi agir em prol dos que precisavam de mim. Não pude duvidar quando cheguei aqui conduzida por meus pais. Eles estavam comigo nos momentos finais daquela tuberculose que acabou comigo. Eu estava tranquila, mas achei que tinha delírios quando os vi nitidamente. Pouco tempo depois, eles me trouxeram para cá. É tudo muito estranho. Alguns tentam me explicar que não tem errado, só tem o certo. Cada um crê no que sua mente permite acreditar para a evolução daquele estágio.
Mas, e agora?

Eu sempre trabalhei, sempre servi. Eu desejo voltar a fazer o bem. Em que posso ser útil?
IRMÃ LEOCÁDIA
19/05/18


------------------------------------Paula Alves------------------------------

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“DEPOIS DE VELHOS E MUITO MAIS EXPERIENTES, PASSAMOS A DAR VALOR PARA AS COISAS MAIS SIMPLES DA VIDA”


Eu fiquei desesperado quando me vi doente, em parte porque percebi que o fim estava próximo e a insegurança tomou conta de mim. Como você ficaria?

Depois que nossos filhos cresceram e constituíram família, éramos só nós dois. Tudo começa com o casal e, depois de muito tempo, após ter criado os filhos e vê-los se tornarem independentes, nós voltamos a ser, apenas um casal. Conseguimos voltar a ser um do outro. Nos olhamos como antigos namorados, redescobrimos o prazer de ficarmos juntos e unidos num mesmo ideal. Depois de velhos e muito mais experientes, passamos a dar valor para as coisas mais simples da vida.

Ter o prazer de nos sentarmos para conversar, observar o mar e andar de mãos dadas. Tudo foi bom, todo o tempo que passamos juntos foi bom e eu não queria perder. Eu não queria morrer e te deixar sozinha. Eu sabia que nossos filhos te apoiariam. Eu sabia que você teria nossas lembranças, mas e se fosse o inverso?
Eu sofreria demais.
Eu pensei que nossos meninos iriam continuar com suas vidas corridas, cuidando de nossos netos e você na solidão, na tristeza. Eu me preocupei. O fato é que tudo passou muito rápido. Foi tão bom! Quando a doença chegou, eu não quis te preocupar e acreditei que eu teria um fim, mas não foi nada disso. Eu também sofri quando desencarnei. Eu queria ficar em nossa casa. Eu tentei falar com você, fazer com que me ouvisse. Eu tinha tantas coisas para falar, e ainda tenho, eu precisava te dizer que estava errado, não se morre.

Eu precisava te fazer entender que quando o corpo morre, a gente pensa como antes, eu fiquei confuso e atormentado, sim é verdade que fiquei, mas continuei nutrindo o mesmo amor. Talvez, maior porque sem o corpo as sensações aumentam e o sentir é muito mais, muito mais intenso. Eu queria te mostrar, mas você só chorava. Que triste!

Eu estava tão perto. Fiquei ali por meses, vendo sua tristeza sem poder ajudar. Tão triste! Até que consegui enxergar minha tia Marília. Ela conversou comigo e me auxiliou para chegar até aqui nesta colônia onde me tratam tão bem, com tanto respeito Tássia.

Eu ainda tenho dificuldades para compreender porque é uma realidade diferente da que nós achávamos existir. Eu te espero. Desejo que você viva bastante para realizar tudo o que está nos seus planos. Desejo que você seja sempre feliz, como antes. Sinta-se plena, você é um anjo na minha vida e eu existo. Cada vez melhor, cheio de vida e de lucidez, agora posso perceber tudo e estou entendendo até nossas dificuldades, a doença, tudo.

Mas, eu te espero amor. Aqui não tem cachos de uva, há-há, aqui tem muitas coisas a serem realizadas, muito a fazer e eu sei que o tempo vai passar e em breve estaremos juntos, por isso, viva intensamente com nossa família. Eu te amo para sempre.
JOÃO MIRANDA
27/05/18

--------------Paula Alves-----------

“ATRAÍMOS A LEI E PAGAMOS TODOS JUNTOS”

Quando eu poderia imaginar que aquele helicóptero daria problemas? Eu não podia supor, além do mais, seria burrice da minha parte, me atrever a ser inconsequente com um meio de transporte que estava me conduzindo.

Eu fui tolo, isso eu fui mesmo porque não questionei quando o técnico acusou um pequeno defeito. Eu aceitei o que ele disse e segui em frente numa viagem que prejudicou a mim e outras dez pessoas. A gente não prejudica apenas quem perde a vida, é um efeito cascata. Eu e mais três tivemos uma queda fatal, mas todos nós tínhamos família e todos sofreram muito. Eu destruí famílias com meu comportamento leviano. Já me disseram que eu preciso me perdoar, mas é quase impossível.

Depois que o acidente aconteceu, eu fiquei em destroços. Fiquei com o corpo desfacelado e encontrei aqueles que estavam no voo comigo. Todos insanos, completamente desequilibrados. Não dava para compreender o que tinha acontecido porque estávamos muito arruinados fisicamente parecia um filme de terror. Nós mesmos estávamos assustando uns aos outros. Demorou a entender. Nos unimos e, sem querer, conseguimos chegar na primeira casa. Foi ouvindo uma conversa entre a família da moça que estava conosco que entendemos que ocorreu um acidente que destruiu nossas vidas. Eu fiquei perdido, atordoado, eles também. Nos ajudamos e fomos socorridos. Levou muito tempo para entender porque tinha que passar por tudo aquilo. A verdade é que nós sempre nos envolvemos com nossos afins ou somos atraídos pelos planos. São reajustes que devem acontecer.

Em outras vidas, nós estivemos ligados numa tramoia. Acreditávamos que, como cientistas, pudéssemos obter a cura de algumas doenças e, assim, teríamos o reconhecimento merecido. Nós fomos terríveis ao utilizarmos cobaias vivas. Eram indigentes, moradores de rua. Pessoas que estavam jogadas e não tinham nenhum vínculo com ninguém, nenhum membro da sociedade sentiria a falta deles.

Houve muito horror e muitas coisas saíram erradas, nós desfizemos o grupo, mas nunca pagamos pelos crimes. Atraímos a Lei e pagamos todos juntos. Eu ainda preciso apagar tudo isso da memória, preciso me perdoar mais uma vez. Nem sei se consigo.
GERT
27/05/18

--------------Paula Alves------------

“QUANDO SEM REVOLTA CONSEGUIR ELEVAR A MAIORIA, AÍ SIM É PROGRESSO”

“QUANDO EXISTE MORTE, INJUSTIÇA E SOFRIMENTO NÃO É AVANÇO, NÃO É PROGRESSO”

Era com babosa que a gente fazia curativos. Ah! Fio, a gente tinha que usar a sabedoria dos ancestrais porque na nossa terra não tinha médico, nem remédio. Criança crescia forte e era bem tratada pelos pais. Era tão bem tratada pelos pais que também tratavam bem os pais e avós quando estavam crescidinhos.

Tem gente que estuda tanto Fio, mas não tem o ensinamento do amor na vida deles, então, tudo o que aprende não germina. É tudo perdido Fio, tudo. Porque a pessoa só aprende as coisas pra se exibir, não é pra contribuir para o bem dos demais, dos seus irmãos. A gente sabia coisa que passava do pai para o filho e os filhos sabiam que tinham tanto que aprender que prestavam toda a atenção. Era lindo ver a mocinha fazendo a comida enchendo de erva para manter o corpo inteiro, forte. Elas cuidavam das mães que estavam parindo os irmãos menores. Cuidavam de tudo e eu estava sempre por ali pra apara a criança. Perdi as contas de quantas vieram nas minhas mãos. As ervas davam a saúde, do mato, da natureza, a gente extraía tudo o que precisava e do céu a gente sabia que vinha toda a nossa sensatez, todo o nosso conhecimento. 

Maior respeito com o Criador Fio. Sempre foi assim. Um dia vi todo mundo correndo, criança gritando, gente malvada que chegou destruindo tudo, tacando fogo nas minhas ervas, destruindo nossas casas que eles chamavam barracos. Gente criminosa que chegou afirmando que ia trazer o progresso. Gente que impregnou a mata com sangue e dor. Ah! Fio muita dor... Eu vi coisas horríveis, não dá nem pra descrever procês. A moça tá sentindo. Tudo isso aí foi o que eu senti, essa dor no peito de ver minha gente se maltratada, humilhada como se a gente fosse bicho. Tá vendo Fio as lembranças que essa véia carrega na mente?

É isso que não apago. Eu não sou má não. Não queria sentir mágoa. Quem sou eu Fio pra recriminar alguém? Também já errei muito, mas foram muitos dos meus judiados por madeira nobre. Por dinheiro. Revolução existe quando trás o bem, quando permitir enobrecer a alma, mostrar dignidade pra um povo. Quando sem revolta conseguir elevar a maioria, aí sim é progresso. Quando existe morte, injustiça e sofrimento não é avanço, não é progresso. Eu vou viver muito, mas não vou entender essa gente.
RIVOLINA
27/05/18

-----------------------------Paula Alves---------------------

“O CONHECIMENTO É O TESOURO QUE NINGUÉM NUNCA VAI TIRAR DE VOCÊ”

Os números brotavam na minha mente. Como que dançando, era tudo tão simples, tão fácil. Como uma sugestão, eu sempre sabia o resultado. Meu pai percebeu e foi tirando onda, me levando pra exibição com os amigos, comecei pequeno e eles se admiravam. Era impressionante o que um menino de seis anos podia fazer com os números. O pai foi brincando e ganhou um dinheiro na porta do bar.

Acho que ele começou a ficar ganancioso porque era uma boa oportunidade de ganhar dinheiro sem fazer muito esforço. Meu pai era metalúrgico e chegava tão cansado, reclamando. A mãe também trabalhava em casa de família e estava com a gente só no final de semana. Eu ficava com a Cássia, minha irmã. O pai percebeu que podia ganhar dinheiro com a minha habilidade numérica. Eu me deixei levar, amava meu pai e o que ele me pedia não podia resistir, era meu pai. Eu nem sabia que não estava certo. Ele foi me apresentando por aí e eu fui parar no circo. Crescendo e ganhando dinheiro com meu QI. Meu pai ficou fascinado com meu talento e minha mãe descobriu que o circo estava me querendo, eu rendia um bom dinheiro. Minha mãe ficou enfurecida com o pai e eles discutiram feio. Ela pegou a gente e disse que ia embora, que eu era criança e tinha que estudar.

Ela xingou o pai e ele bateu nela. Nunca esqueci. A mãe tinha o sonho de estudar, queria isso pra gente. Ela levou a gente embora e o pai não deixou por menos. Quando descobriu onde estávamos, ele foi até nossa casa e me levou de lá. A cássia ficou chorando e eu nunca mais vi minha irmã, nem minha mãe. Cresci na revolta. Nunca perdoei meu pai. Quando entendi tudo o que tinha acontecido, depois de fazer muitos trabalhos em circos, depois de ver meu pai se embriagar e gastar todo o nosso dinheiro, eu conclui que era uma fonte de renda para o meu pai. Ele só me usou, me tirou da mãe e privou do seu convívio. Eu fiquei com raiva da minha inteligência.

Se eu fosse como as outras crianças, se eu tivesse um raciocínio normal, ele não tinha feito o que fez. Com quatorze anos, eu fugi do meu velho. Tentei encontrar as duas, mas em vão, nunca achei. Fiquei tão perdido que me viciei. Não queria saber mais nada. Não queria calcular, mas a vida nos surpreende e não se pode lutar contra o conhecimento. Tudo o que se assimila é nosso bem mais precioso. O conhecimento é o tesouro que ninguém nunca vai tirar de você. Por mais que se tente camuflar ou bloquear, não dá. É natural. Eu fui trabalhar empacotando no supermercado e percebi que a caixa, uma mulher linda, mas desnorteada, desligada, percebi que ela tinha calculado errado e ia entregar o troco errado. Eu avisei. Ela brigou comigo e o cliente confuso pediu para chamar o gerente. Ele foi obrigado a passar a compra toda novamente e comprovaram que eu estava certo. Todos se surpreenderam e o cliente me ofereceu emprego na Bolsa. Claro que minha vida mudou e a moça linda virou minha esposa.

Eu não pensei que pudesse mudar tanto. Foi bom ter tido um emprego digno com minha capacidade intelectual. Foi bom ter me casado com a Cecília e ter tido a minha família com filhos queridos. Mas, eu ainda sinto falta da minha mãe e da minha irmã. Ainda é difícil entender por que meu pai fez tudo isso por dinheiro.
DANIEL
27/05/18


  

Nenhum comentário:

Postar um comentário