Cartas de Janeiro (16)

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“ACREDITO QUE FOI MINHA MISSÃO”

Há tanto o que dizer. Agradecimentos inúmeros a todos aqueles que rezaram por mim. Eu desejei ficar. Eu quis permanecer entre os meus. Como eu os amo... Quando percebi que a viga caiu sobre mim, revi meus últimos momentos na carne e pensei o quanto era feliz desempenhando meu trabalho. Tudo o que desejei durante toda minha infância era me tornar um bombeiro e depois de tanto esforço, eu consegui. Eu vibrei de tanto contentamento por ter conseguido. Trabalhei por dez anos com muita alegria e tudo o que parece sofrimento para alguns, para mim era um compromisso, uma obrigação.

Eu fazia com êxtase e sempre fui agradecido por isso. Acredito que foi minha missão, meu plano de vida e eu o desempenhei com imensa felicidade. Não tenho do que me queixar porque, além de tudo, foram colocados em meu caminho seres maravilhosos que me fizeram sorrir. Meus pais, meus irmãos, minha esposa e filhos. Eu os amo. Pessoas radiantes que me trouxeram a paz. Sei que eles estão entristecidos pelo ocorrido, mas eu não.
Sou grato, imensamente grato por tudo. Vida perfeita que tive. É claro que todos querem mais tempo, eu também queria, mas sei perceber que o tempo foi justo para vivenciarmos o que era importante e seguir em frente. Não se prendam por mim, vivam! Sigam a trajetória. Se surpreendam. Como é bom o plano de Deus para nós. Eu sei que todos têm compromissos, eu tive. Sou feliz e sou grato por todos.
Luís Augusto
07/01/18

-----------------Paula Alves------------------

“ESPOSA CHORA QUANDO SE VÊ TRAÍDA”

Eu me envolvi com um homem casado e aí foi todo o meu calvário. Não procurei, não era promíscua e nem pretendia que ele a agredisse. Nunca desejei causar o mal, mas foi o que fiz. Relembrando tudo o que aconteceu, eu desejaria nunca tê-lo conhecido. Eu me apaixonei por uma imagem de homem perfeito. Um homem elegante e educado que estava trabalhando numa conferência. Eu me aproximei dele porque também estava trabalhando naquele dia e ele foi tão gentil. Trocamos olhares e quando dei por mim já estava envolvida. Ninguém pergunta se o cara é casado, ainda mais quando ele não usa aliança. 

Eu confiei e fui saindo. Imaginei que ele tivesse um trabalho muito rigoroso e, por isso, não tinha muito tempo livre. Que nada! Ele tinha família, uma menininha de quatro anos. Demorou pra eu perceber e foi da pior forma. Eu o vi passeando com toda a família, risonho, descontraído. Uma esposa linda, tudo perfeito demais pra mim. Ele me viu e fingiu que não me conhecia.

Esposa chora quando se vê traída, mas não percebe que amante não tem vez. Difícil perder pra esposa. Esposa tem tudo, tem contrato, tem lembranças, tem filhos e tem amor. Por mais que haja traição, elas têm muito mais. Eu não quis mais vê-lo. Ele me procurou, mas eu não quis participar disso porque mulher é tudo igual. Mulher quer ser amada, quer ter respeito e cordialidade, mulher quer ter família estável, eu queria e se isso não podia ser com ele, então, seria com outro, solteiro, disponível.

Enterrei este amor dentro de mim e aguardei até que outro aparecesse. Ninguém morre de amor – eu pensava. No meu caso foi mesmo porque depois de dois anos encontrei um homem que se tornou meu esposo. Vivemos quarenta anos um casamento maravilhoso, sólido e com um afeto indescritível. Eu ainda lembro muito bem dos sentimentos que me ligaram ao homem casado e compreendo o porquê precisei passar por isso. Depois que as lembranças voltaram, eu vi uma existência onde fui traída por meu marido e castiguei a amante. Eu vivi atormentada por muito tempo e precisei passar por esta escolha nesta existência. Estou satisfeita por ter renunciado o desejo do corpo por minhas bases morais. Fiz o correto. Acredito que se todos nós pensássemos em fazer sempre o que deve ser feito ninguém seria magoado. Todos seriam mais felizes porque eu não posso fazer para o outro o que eu não quero que seja feito pra mim. Agradecida pelo espaço.
SOLANGE
07/01/18

-----------------------------Paula Alves-------------------------------


“ERA A ESPERANÇA QUE NOS MOVIA, ESPERANÇA, FOME E GARGANTA SECA”

Minhas botas já estavam tão surradas e eu andava aflito buscando um pouco de água. Existem bens extremamente preciosos na Terra. Bens que as pessoas usufruem e que nem se dão conta do quanto são importantes. A gente só percebe quando falta. Era uma seca desgraçada, não tinha nada não. Água pra ninguém. A ideia que em outra parte era melhor parecia uma miragem, tinha medo e insegurança, mas era melhor morrer tentando do que ficar parado naquela seca da peste.

Era a esperança que nos movia, esperança, fome e garganta seca. Peguei as crianças e a Maria foi reclamando o caminho todo. Ela não queria ir. Em parte, ela estava certa porque a gente tinha nossa terra, nossa casa e tinha uns parentes por ali, mas em outro lugar só tinha o querer. Ela falava de ilusão e de ganância.

Mas, era ganância eu não querer morrer de sede e de fome? Era ganância eu querer viver com dignidade? Isso tudo eu perguntava pra Maria e ela me falava que a gente era tudo um bando de ignorante, desajeitado. Falava que Deus colocou a gente pra viver ali e tinha que aguentar, que era a vontade Dele. Eu respeito o que Deus quer pra todo mundo, mas achava que a gente tinha que tentar porque o mundo de Deus é grande demais pra eu ficar conformado com aquilo, com nada. Pegamos uns panos e partimos. Eu andei demais com aquelas botas surradas e a Maria reclamando. A gente foi pedindo carona e chegou em São Paulo sem ter nada nas mãos, só uns e outros pra ficar arrastando. Virar pedinte não aceitei não, sempre fui honesto e trabalhador. A gente escolhe o que vai fazer da vida e Deus dá condição da gente se erguer.

É isso o que eu penso. Fui arrumando uns bicos, fazia de tudo, eu e a Maria. Limpava, fazia muro, Maria arrumou emprego na fábrica e eu também, as coisas foram melhorando, as crianças cuidavam umas das outras e foram crescendo. Quando eu percebi já tinha uma casinha, cansado de trabalhar, mas foi o que deu. Eu olho pra trás e sei que deu tudo certo. Quanto Deus me testou e colocou o rumo melhor na minha vida, eu sei. Por tudo o que eu fiz podia ser bem pior.

Eu não fui coitado. Passei de senhor de escravo que negava água pra negro e virei negro que quase morreu de sede. Enfrentei minha vida sem reclamar, peguei o que tinha pra fazer agradecido, sem preguiça fui me virando e quando vi tava todo mundo criado e eu na rede. Minha casa tinha até rede. Deus me deu um caminho lindo pra caminhar. E aquelas botas me levaram pra minha salvação. Ô Pai maravilhoso.
ZÉ FIRMINO
07/01/18


----------------------------Paula Alves----------------------------


ACREDITAR QUE É À TOA? QUE É POR ACASO?

É coisa de gente que tem um olhar limitado. Simplesmente não consegue ver o futuro da vida. Quando a vida se interrompe porque o corpo não aguenta mais continuar, se inicia outra bem mais concreta. A vida de verdade se inicia depois disso e tem gente que nem acredita porque está tão limitado com as ilusões que dá até pena. Sério, eu sinto muito mesmo porque leva um tempão perdendo tempo com coisa inútil.

Isso também aconteceu comigo e eu ainda to tentando me ajustar às coisas que acontecem aqui. Eu estava tão preocupada em adquirir, em ser, que nunca imaginei que tinha tudo isso deste lado. Era tão moça quando sofri o acidente e desencarnei cheia de vícios morais. Era bela e vaidosa. Tinha um excelente trabalho, carro da moda e apartamento no centro da cidade, tudo isso não bastava, eu ainda queria mais. Deixei de lado as propostas de ter família porque queria me firmar na carreira e viajar para o exterior porque detestava esta terra. Nunca sairia daqui que ainda é meu lugar mental.

Desencarnei e me vi tão revoltada que vaguei adoentada, infernizei uns e outros por causa da minha revolta e nem percebi que minha mãe estava sempre ao meu lado, coitadinha. Faz pouco tempo que cheguei e sou grata por terem me acolhido, por ter minha mãe junto de mim. Ainda sinto coisas negativas. Sinto vergonha e receio. Vergonha porque sinto que desperdicei minha vida com coisas inúteis, não fiz o que deveria e nem mesmo consegui perceber o homem que deveria fazer par comigo. Tudo o que estava nos meus planos, tudo o que poderia me beneficiar recusei. Como não percebi que aquele homem era o meu prometido?

Eu tinha tanto a fazer e não fiz nada, toda cega, iludida. Estou receosa de saber que terei de voltar. Agora com outros planos, daqui a algum tempo, depois dos meus estudos necessários. Tudo tão difícil, aquele homem que recusei teve que receber uma modificação dos planos porque eu desviei o propósito e ele nada tem a ver com isso, portanto, ele merece continuar. Ele ainda está encarnado e tentando fazer dar certo com outra pessoa, rezo por ele. De qualquer forma, precisaremos nos unir e eu ficarei aguardando até a próxima vida dele. Que trabalhão! Que vergonha! Vai levar um tempo pra eu me sentir melhor.
SUZETE

07/01/18            

--------------------Paula Alves--------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“EU TINHA TUDO PRA DAR CERTO E FIZ COMO TODOS”

Foi tudo estranho porque eu nunca pensei que fosse possível. Morri e, de repente, estava bem viva. Talvez, mais do que antes. Ainda doía, meu corpo, minha cabeça e minha vontade de retornar para casa era angustiante. Tudo mais intenso, audição, visão e o olfato me faziam desejar todas as refeições que um dia recusei para manter o corpo perfeito. Que fome!

Eu desejava retornar para minha casa, mas não me lembrava do caminho, nem mesmo me lembrava de informações simples como endereço ou telefone, estava tão confusa. Só as sensações físicas estavam a me acompanhar e isso me fazia ter a certeza de que estava viva. Bem viva.

Eu vaguei sei lá por quanto tempo. O suficiente pra me dar conta de que algo estava errado. Aos poucos, fui perdendo o torpor e o raciocínio foi voltando. Aí eu vi de tudo. Gente como gente, gente como bicho, gente como anjo. Era lindo e aterrorizador. Eu não aguentava mais aquilo tudo e me joguei na calçada, toda suja, com fome e ainda com dor do trauma que levei. Vi uma moça sorrindo. Ela se aproximou de mim e perguntou se eu desejava ajuda. Sei lá como foi que ela chegou, sabendo o meu nome e tudo mais.

Claro que eu queria ajuda e ela me estendeu a mão. Faz dois anos que estou aqui doutor e eu já melhorei bastante. É duro ver os erros cometidos, perceber que a gente só perdeu tempo é muito triste. Eu tinha tudo pra dar certo e fiz como todos. Eu desperdicei minha vida com bobagens. Parece um lenga-lenga falar assim, mas é verdade. Tive todas as chances de voltar jubilosa e fracassei. Meus pais eram servidores públicos e me possibilitaram estudar, eu tive oportunidades de realizar trabalhos produtivos frente aos necessitados, mas não quis porque dava muito trabalho e nenhuma recompensa. Depois tive um homem bom no caminho desejando casar comigo, mas ele era simples demais. Eu olhei pra ele e vi uma forte emoção crescendo em meu coração, mas ele não me daria a vida que eu almejava e eu não queria me unir com alguém pra passar privações.

Naquela época, eu não sabia que eu mesma havia pedido por isso, enquanto estava no plano espiritual, eu pedi a prova e recusei. Ele foi embora e nunca mais senti o coração palpitar novamente. Fiquei só com minha vidinha. Desencarnei vítima de um atropelamento e não deixei nada para me iluminar. Eu sinto muito. Chegar aqui e ver tudo isso é muito frustrante.
FÁTIMA
14/01/18

------------------Paula Alves--------------------

“NÃO SOU COITADO”  “FUI CÉTICO”

Eu compreendo que muitos não percam seu tempo com leituras. Eles acham que perdem. Acham que não tem nada a acrescentar. Claro que não. Do que interessa a opinião de seres comuns que erram tanto quanto eles? Eu acho que poderia ter me ajudado. Também fui assim e não condeno, ainda mais porque aceito se ninguém me reconhecer. Os meus não estavam ligados a isso. Não desejo pra ninguém o que vivi. Não sou coitado. Fui cético. Não achei que precisava me preocupar com tudo isso no início de uma vida tão promissora. Eu era advogado e ganhava bem. Tinha propostas de emprego e estabilidade. O que mais poderia almejar? Uma bela namorada, carro e casa do jeito que sonhei. Tudo só pra mim com conforto e comodidade. Vivia com regalias. Viagens pelo mundo todo, jantares excelentes e nenhum ponto para me preocupar porque eu fui muito competente. Eu não tive tempo pra pensar no porvir, no depois e achava que era bobagem porque quando chegasse o meu dia não tinha o que protelar. Mas, não acabou. Um cliente enfurecido me armou uma emboscada e me deu um tiro certeiro. Chegou bem perto de mim e riu satisfeito. Perguntou do que servia tudo o que eu tinha se não compravam a minha saúde, minha vida? Falou de tantas viagens e divertimentos que seriam adiados. Que eu nunca teria que me preocupar com casamentos ou filhos porque não sobreviveria para passar por isso. Eu não consegui nem gritar, foi rápido, logo eu já estava fora do corpo. Não sei como. Vi tudo.

Meu funeral com luxo. Só meus pais choravam sentidos. Eu nem os visitava, estavam tão sofridos. Minha namorada ficou algum tempo e foi embora pra uma comemoração com as amigas pra se esquecer da tristeza. Vi meu enterro e o sorriso de escárnio de alguns colegas de trabalho. O fato é que eu não tinha riquezas para carregar. Eu não fiz amigos leais, não tive um amor verdadeiro, apenas os pais que tiveram um filho ingrato choraram por mim. Percebi que tudo o que é bom na Terra pode iludir. Acho mesmo que o bom deve ser o sofrimento, a privação, a doença que impedem a gente de pensar, apenas em frivolidades. Ainda tenho que amadurecer a ideia de que não fiz diferença na vida de ninguém.
ALESSANDRO
14/01/18

--------------Paula Alves------------

“EU PEÇO PERDÃO LÉO. A MAMÃE TE AMA SIM”

Foi uma gravidez tão difícil. Desde o início eu me senti mal. Todos os sintomas de gravidez que me impediam de comer, de dormir e eu fui emagrecendo, ficando doente com pequenas viroses. Conforme a barriga ia crescendo, as dificuldades aumentaram e nós começamos a brigar. Meu esposo sempre foi bom e carinhoso, mas ele não podia nem me olhar e nós brigávamos, nem eu entendia. Me senti sozinha e desprezada. Com cinco meses tive um sangramento intenso e o médico avisou que eu precisava de repouso. Saí do emprego e foi ficando mais difícil em casa com as despesas. Meu marido gritava e eu chorava. A questão toda foi se arrastando de mal a pior até que chegou o grande dia do parto e eu não estava aguentando fazer força. Me sentia tão fraca e cansada. Senti um forte puxão e um suspiro de alívio. Aí ouvi um alvoroço na sala e choro da enfermeira. Eu vi o bebê, mas não tinha nenhum sentimento, estranho. Todo mundo correndo e ligando uns aparelhos. Eu demorei pra perceber que eles desistiram de mim. 

Me cobriram e eu fiquei ali esperando um tempão. Tanto tempo que perdi as contas. Não tinha força nem pra gritar e adormeci no corpo gelado. Quando a Antonia (minha amiga espiritual) apareceu para me tirar dali eu não entendi. Ela me trouxe pra cá e eu ainda acho que podia ter sido melhor do que foi. Eu não aceitei aquele filho. No fundo eu rejeitei, meu corpo rejeitou. Sentir a aproximação daquele que me fez mal no passado me fez rejeitá-lo, mas isso não pode ser. Rejeitar um filho?

Agora eu entendo tudo. Todos os motivos que levaram Deus a nos aproximar e também que meu tempo estava se esgotando mesmo, mas eu escolhi ficar mal quando rejeitei a criança doutor. Eu entendi. Meu marido também rejeitou, mas quando foi informado de que eu não havia resistido ao parto, ele olhou o bebê e escolheu ser um bom pai. Tudo é escolha doutor. Tudo. A gente recebe a oportunidade de Deus, a gente escolhe a prova e quando vai passar por ela, se acha superior. A gente acha que merecia coisa melhor, mas por quê?

Não tem o melhor aqui. É todo mundo igual mesmo, uns melhor só um pouquinho. Aquele que foi santo morreu na cruz. Eu vi meu filho. Tive esta graça. O menino é lindo e está com cinco anos. Leonardo, lindo o meu filho. Eu sei que poderia ter amado o menino. Pessoa que me fez mal no passado e agora está disposta a fazer diferente e está demonstrando com o pai que as pessoas podem se reformar e despertar o amor das outras pessoas. Eu peço perdão Léo. A mamãe te ama sim.
LUZIA
          14/01/18

---------------------Paula Alves---------------------

“NÃO É PARA QUALQUER UM NÃO. É SÓ PARA QUEM JÁ ABRIU OS OLHOS”

Dava pena de ver a criançada com fome. Eu queria fazer mais. O trabalho era duro. Não tinha material, escola rural é tudo precário. Reforma agrária uma ova. Dava revolta de ver a necessidade daquela gente. Eu estudei para levar conhecimento, leitura, informação. Sempre achei que todo mundo tinha direito de ter esclarecimento, mas não imaginei que existem tantos analfabetos. Tinha dono de terra que achava luxo aprender a ler. Eles diziam que as pessoas que sabem, desejam. As pessoas que se esclarecem, ficam ambiciosas demais. Pobre mantido no cabresto não tem leitura.

Isso me indignava. As crianças queriam aprender, mas sem caderno, borracha, lápis? Tem gente que não tem ideia da necessidade de verbalização. Livro é tudo. Leitura, conhecimento salvam do desespero porque mostram para criança um caminho de esperança e criatividade. Elas podem ir para qualquer parte, conhecer o mundo todo dentro de casa. E isso eleva a pessoa e tira as algemas. Algemas sociais.

Eu me empenhei, comprei do bolso material para todo mundo. Comprei e vi o sorriso de contentamento. Eles se esmeraram e eu fiquei a vida toda lecionando na zona rural. Na minha família, na cidade grande, tinha muita gente que me chamava de trouxa. Boba, idealista. Se eu tivesse este orgulho todo poderia até ter me ofendido. Preferi deixar pra lá e valorizar quem me interessava, gente que não tinha meu sangue, mas precisava de mim, dos meus conhecimentos e dos meus esforços. Foi uma vida toda vivendo na simplicidade para um belo dia receber um convite.

Convite da formatura do Artur. O menino que foi meu aluno, cresceu e resolveu ser professor. Estudou em outra cidade e não esqueceu de mim. Tem presente maior? Tudo o que eu fiz na vida valeu naquele dia. Estava já enrugada e vi minha vitória no canudo daquele menino. Agradeci a Deus porque eu sei que o que vale é o que a gente faz pelos outros. Ter fé, vergonha na cara e passar aperto para suprir necessidade dos outros é benção. Não é para qualquer um não. É só para quem já abriu os olhos. Valeu doutor, estou realizada.
JANUÁRIA

           14/01/17


--------------------------Paula Alves---------------------




Foto cedida por Magno Herrera Fotografias



“ONDE VOCÊS VIVEM EXISTE ILUSÃO E TORPOR”

Eu queria que pudessem me sentir. Queria que tivessem a certeza de que tudo está bem. Queria que não houvesse desespero e que tivessem fé. Eu queria tantas coisas pra eles. Tantas... Acho que não utilizei bem o tempo a favor de mim. A favor dos meus entes queridos. Sei lá. Acho que ficou faltando tanto. De fato, tudo é culpa minha. Este desconsolo que sentiram com minha partida. Te confesso que quando estava entre eles, eu sempre fazia tudo. Eu cuidava de tudo e era considerada como uma ótima mãe e esposa, mas acho que não fui porque eles se tornaram extremamente dependentes de mim. Por um momento, considerei que fazia isso por orgulho. Para poder afirmar o quanto era importante e imprescindível no lar, mas foi egoísmo.

Eu nunca ensinei o quanto era bom para eles caminharem com as próprias pernas. Enfim, me sinto responsável pelo sofrimento de todos. Isso me consome. Eu tive muita dificuldade em permanecer aqui. Passei tanto tempo no meu antigo lar e eu causei sensações terríveis naqueles que amo. Quando finalmente, aceitei o socorro e vim pra cá, sabia que levaria tempo para se harmonizarem sem minha presença, mas soube que ainda não estão bem.
Acham que acabou?
Que eu fui aniquilada?

Eu existo e posso ficar bem melhor se souber o quanto estão se reerguendo sem mim. Eu preciso continuar e eles também. Aqui tem muita vida e tudo é real. Onde vocês vivem existe ilusão e torpor. Aqui é maravilhoso. Só não é melhor por causa da saudade e da preocupação. Eu entrego nas mãos de Deus porque preciso melhorar e já se passou tempo bastante para aceitar que preciso cuidar de mim. Que Deus possa ampará-los.
Gertrudes
20/01/18


---------------------------------Paula Alves------------------------

“TODA A ESPIRITUALIDADE APLAUDE SEUS ATOS DE BONDADE”
Eu sinto e por mais que não deseje me influenciar, eu sofro. Eu consigo perceber os pensamentos dele e são terríveis. Como uma mãe pode viver assim?
Meu filho amado com pensamentos suicidas. O que faz de um menino tão bem educado, tão capacitado, ter estes pensamentos de morte?
Será que não existe o desejo de viver e assimilar um mundo todo de benefícios?
Eu aprendi tanta coisa aqui e, é por isso, que eu sofro. Se meu menino tivesse ideia do quanto pode sofrer se concretizar estes planos, ele nunca teria estes pensamentos. Sei que pode estar sendo influenciado por amigos cruéis ou por desafetos do passado que pretendem destruí-lo, mas ele precisa resistir e procurar uma ocupação que o motive. Eu peço a Deus que encontre uma boa pessoa que mostre a ele o mundo maravilhoso e cheio de possibilidades que ele pode encontrar por aí.

Não sei como isso foi acontecer e eu queria ajudar, mas ainda não estou capacitada. Eu deixei o Augusto quando ele tinha doze anos. Faleci vítima de uma doença reumática. Queria ter ficado mais tempo, mas foi minha prova e, por tê-la vivenciado com aceitação, agradecida por tudo o que Deus havia me dado de bom, eu consegui entrar neste local onde me tratam tão bem. A única coisa que me faz estacar frente a tudo o que eu poderia realizar é esta situação do Augusto. Desilusão, raiva, vício, não sei, pode ser o que for, mas ele precisa de ajuda porque um Espírito em sofrimento padece mil vezes mais do que qualquer sofrimento na carne. Ajudem! Ajudem a todos. Qualquer um que apresente comportamento distante, introspectivo demais, indiferente, melancólico, aí pode estar um forte candidato ao suicídio. Você pode nunca ter a ideia de que conseguiu salvar alguém porque deu atenção, carinho ou incentivo de vida, mas toda a espiritualidade aplaude seus atos de bondade. O quanto é bom fazer o bem meus irmãos. Eu peço a Deus que coloque no caminho do meu filho uma alma abnegada que possa escutar, falar do Mestre, da imortalidade, que ele possa ser instruído e amparado para deixar de lado estes pensamentos de destruição do próprio vaso. Atenciosamente. MARIA HELENA
20/01/18

-------------------------Paula Alves--------------------

“TEM QUE HONRAR ESTA CHANCE”

Eu sou tão agradecida. Por tudo o que fizeram por mim. Tive uma belíssima estadia. Obtive, desde cedo, os conhecimentos adequados para uma jornada enriquecedora. Se me perguntarem se eu mudaria alguma coisa, eu diria que sim porque nós sempre achamos que poderíamos ter feito um pouco melhor, mas no geral foi dez. Conheci pessoas incríveis, muitos dos amores de antigas jornadas retornaram para me auxiliarem. Filhos maravilhosos e um amor que se tornou meu esposo novamente tamanha cumplicidade. Os desafetos foram aparecendo com o passar dos anos e, com paciência e trabalho no bem, conseguimos nos entender. Eu digo que, pelo menos, não cometemos os mesmo erros do passado, não houve hostilidade e nem rancor. Se não finalizamos como afins, mas foi em paz. Trabalhando no bem, seguindo Jesus, doando amor, ensinamentos. Eu tive uma vida simples, várias bênçãos recebi. Eu só agradeço. Quando a gente desencarna de repente as pessoas ficam com tantos questionamentos, mas quem tem fé em Deus e em todos os seus planos, sabe que tudo está certo e foi o melhor que poderia ter acontecido. Eu não queria ficar em cima duma cama ou ter dado trabalho para as pessoas. Não por orgulho, Deus sabe, mas porque sei da jornada de cada um, eu nunca quis atrapalhar ninguém. Acho que a gente recebe uma chance quando retorna, tem que honrar esta chance, fazer o melhor que puder e quando Deus chama pra voltar, tem que voltar sem reclamação ou remorso. Por isso, tem que se esforçar para fazer bem feito dentro da sua possibilidade, para não se arrepender do que não fez. No geral, foi uma bela jornada e eu desejo que todos tenham a certeza de que o que eu quero é que prossigam. Prossigam em paz. Eu continuo com o mesmo amor. Fiquem com Deus.
LÚCIA
20/01/18

-----------------------Paula Alves--------------
”A LAMENTAÇÃO FAZ PARTE DE MIM HÁ MUITO TEMPO”

Fui tão durão. Coração de pedra, diziam eles. Do que serviu tudo isso. No fim todos têm a mesma trajetória. Criados simples, ignorantes. Precisam assimilar tantas virtudes, se encher de bons sentimentos para evoluir. Para chegar a anjo, falta muito viu? Eu? Nem sei se isso é pra mim. To aqui parado na reclamação faz tempo, coitado de mim. O doutor acha que tudo é construtivo, mas até me cansa ouvir tudo o que eu tenho pra dizer. Acho que é chato ouvir o reclamão. Acho que é ruim o melindre porque parece que a gente ta na areia movediça.

A gente não consegue progredir quando reclama e só vê a coisa errada, o mal e o desgosto. Foi assim em vida e eu to aqui achando que não sirvo para nada. Ainda falta aprender tanta coisa, que eu nem sei se tem jeito pra mim doutor. A lamentação faz parte de mim há muito tempo. Estão estudando as minhas possibilidades e eu estou treinando o plano mental, fazendo exercício de positividade porque o negativismo está me consumindo. Deste jeito, eu não escapo de uma psiquiatria na reencarnação. Eu fui chamado de coração de pedra a vida toda e não absorvi com todo o amor que eu recebi. Eu não nutri este sentimento por ninguém e eu sei que eles me amaram. Sabe que tem muita gente que é assim? Pessoas que só pensam em si e não conseguem doar sentimento. Os outros amam a gente e doam, mas não penetra o nosso ser. É como se a gente tivesse sempre com um escudo, uma couraça que não deixa nada de bom penetrar em nós. Eu vivi com uma armadura e acabei afastando as pessoas que me amavam porque eles não suportaram mais viver comigo. Minha esposa estava certa, ela merecia encontrar o amor e ela encontrou. Minha filha se recusou a me abandonar, a pobre sempre estava por perto e cuidou de mim até o final e eu sou grato por isso. A Amanda foi um anjo cuidando de mim e nem assim eu aprendi. Eu já sei que vou receber uma boa família que vai me amar muito. Tudo é perfeito na Lei e Deus não desampara ninguém. Ele nos ama tanto que sabe o que cada um precisa para amparar e colocar no caminho certo. Rezem por mim.
CHICÃO 

 20/01/18

-----------------------------------Paula Alves-------------------------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“A GRAVIDEZ ME TRANSFORMOU NUM PAI DE FAMÍLIA”

Naquela ocasião eu precisava de um filho homem. Não por preconceito, mas por honra. O primogênito devia dar um neto, um menino e eu ansiava por isso. Quando soube da gravidez da Mila fiquei feliz. Eu nunca fui homem de demonstrar meus sentimentos, mas claro que fiquei feliz. Minha esposa foi mulher leal e devotada pela família. Apesar de não demonstrar afetos, eu nutria por ela o mais terno sentimento e sempre lhe fui fiel. Eu tinha orgulho dela.

A gravidez me transformou num pai de família.
Fiz planos e projetos para meu herdeiro, meu filho deveria ter um futuro brilhante e eu imaginei tudo, uma vida inteira com direito a profissão, carreira e até casamento arranjado com família amiga, mas deu tudo errado. Meu Kaique nunca existiu.

Quando Mila pariu e eu ouvi o choro da criança, corri para ver a genitália do meu garotão e me surpreendi ao me deparar com um órgão feminino. Eu fervi de raiva. Bati a porta do quarto e nem mesmo falei com Mila.
Sei que minha esposa compreendeu o que se passou comigo e ela não gostou nada da minha reação. Eu bebi e dormi fora de casa. Eu não conseguia entender. Achei que ela era culpada, Deus era culpado. Eu não tinha feito nada de errado e Ele queria me castigar. Por quê?
Aquela menina não era pra estar ali, eu queria um moleque.

Foi difícil enfrentar a vida e as pessoas me gozando. Todos sabiam do meu desejo por um filho homem. Ela foi crescendo e a menina chamada Júlia foi ficando parecidinha comigo. Séria, desconfiada, não sorria muito, brincava sozinha. Parecia que ela sabia de tudo. Ela sabia que eu não a quis. Eu sentia uma dor pungente porque não queria ser daquele jeito, mas nada modificava em mim a frustração.
Depois de quatro anos tudo ficou pior porque eu consegui o menino que tanto almejei e Kaique veio me deixando contente demais. Júlia sempre percebeu a minha predileção pelo garoto e todos comentavam deixando a menina irritada e sentida.
Eu me arrependo por ter agido assim com minha filha. O tempo passou e as circunstâncias da vida me fizeram enxergar que não é o sexo que determina se a pessoa será boa ou não, se será bom filho ou pessoa respeitável. Meu filho me deu muito trabalho, nunca quis estudar, roubou carros, se envolveu com drogas, virou um marginal e nunca me honrou, nem seguiu minha educação. Já a Júlia, foi filha de ouro.

Ela sempre foi meu espelho. Fez tudo o que eu achei que fosse correto, disciplinada, leal, mulher de bem. Ela se casou, teve família e me deu netos lindos. Mulher de inúmeros talentos. Minha filha trabalhou duro e ainda ajudou muita gente fornecendo trabalho e tudo o que precisavam para se reerguer com dignidade. Júlia com todos os sentimentos reprimidos por um pai mesquinho e cheio de preconceitos, soube demonstrar para mim que o que importa é o caráter. Depois de cinquenta anos, olhando para ela sem saber como dizer o que se passava em mim, fiquei doente e precisei de cuidados. Minha filha cuidou de mim com o maior carinho. Nunca atirou em mim tudo o que sentiu com a rejeição, ao invés disso, ela me forneceu tudo o que eu precisava, alimentos, higiene, atenção e amor de sobra para nós dois. Ela me amou tanto que eu passei a idolatrá-la. Minha filha querida que foi capaz de me amar com todos os meus defeitos morais. Eu peço perdão Júlia. Se eu pudesse voltar atrás filha, eu voltaria. Eu sei que fui responsável por suas lágrimas, mas eu sou dotado de muitas imperfeições. Você me ensinou tanto e agradeço por isso. O amor que trago no peito é mérito seu filha. Que Deus te abençoe.
ADAMASTOR
28/01/18

------------------Paula Alves----------------

“VIVER DE MÚSICA?”
“VAI TRABALHAR VAGABUNDO...”

Eu ouvi tanto isso doutor. Só queria que minha música fosse ouvida, compartilhada. Eu nunca achei que a música viesse de mim. Eu sentia que ela vinha do espaço, sei lá. Parecia que ela caia sobre mim e, de repente, eu estava com ela prontinha. Não havia tempo para criar, ela aparecia pronta. E era tão melodiosa, era tão perfeita. Eu queria que todos a ouvissem e saia por aí pra irradiar a harmonia das notas musicais. Eu não tinha dinheiro, era só violão e eu. Deus me abençoou com uma bela voz e eu tinha o dom de cantar e tocar sem ter feito aula. Eu era bom, mas não tinha dinheiro e como se vive da arte sem ter condições de comer?

Eu tocava na noite e era ruim porque as pessoas não te veem, elas não te escutam. É como se estivessem atordoadas e ninguém contempla o que ocorre de fato. Eu era invisível.

Tocava na rua e recebia umas moedas. Quem passava olhava com dó, achavam que eu era mendigo. Eu não queria os trocados, queria que eles admirassem a música.

O fato é que com o passar do tempo, ouvi tantas vezes meus familiares criticando o que eu fazia, meus pais pediam por um emprego decente, um com décimo terceiro, garantias para que pudessem ficar tranquilos.

Eu arrumei um emprego com registro e garantias e não tive mais tempo para me concentrar na música, fui deixando o violão. Quando dei por mim, eu tinha uma vida como a de todos que parecem estar apagados, vivem por viver. Eu tinha quarenta anos e não tinha família, bebia, jogava e trabalhava num emprego de garantias para que meus pais pudessem ficar tranquilos. Eles ainda reclamavam porque eu não estava casado e com filhos, eu não tinha a minha casa e nem carro da moda.

Eu acho doutor que as pessoas imaginam que você vai ser isso ou aquilo e se frustram com seus anseios. Eu nunca seria para eles o que eles queriam que eu fosse. Eu sufoquei o músico que existia em mim para que meus pais fossem felizes e nenhum de nós foi realmente feliz. Eu me arrependo porque fui um hipócrita. Fracassei porque eu podia ter feito o bem com minha música. Eu fracassei porque não fiz nada por mim. Sei que as notas eram enviadas deste mundo. Eram canções belas e eu podia ter levado paz e alegria, mas recusei e fracassei na prova.

Tudo na vida tem certas contrariedades, as pessoas têm obstáculos, mas não é pra desistir. Desiste quem tem preguiça, quem não tem certeza do que quer. Só desiste aquele que não está preparado, por isso, eu vou me preparar mais para recomeçar.
LÉO VICH
28/01/18

------------------------Paula Alves----------------------


ORAR POR MIM? COMO PODIA SER ISSO?

Tanto mal não pode se apagar. Eu sei o que eu fiz, eu compreendo. Aqui para mim já é um luxo. Só de estar aqui e receber este tipo de ajuda, já é motivo para falar que alguma coisa mudou em mim. Vocês não permitiriam minha entrada se eu não estivesse bem intencionado, mas foi tanta coisa que minha cabeça ferve. Eu sei que o mal não leva a lugar nenhum, o mal retarda, atrapalha. Só que não dava pra ser diferente. É como se você só soubesse pensar deste jeito. Eu vivi numa família boa, todos eram bons. Bons mesmo. Meus pais tinham corações enormes e permitiam que estranhos dormissem em casa, davam coisas, comida, agasalho. Trabalhavam na igreja e ensinavam os filhos a orar, então, não foi por falta de amor, nem foi por falta do Evangelho que eu me desviei. Acho que já fui desviado. Sei não, mas é da evolução mesmo, Espírito imperfeito.

Éramos três. Dois meninos e uma moça. Meus irmãos eram uns amores, todos gostavam deles e estavam em contato com os vizinhos em obras assistenciais da igreja. Eu nem queria saber de nada. Sempre metido com questões individualistas, pequenas intrigas e festas de todos os tipos.

Me apaixonei pela namorada do meu irmão e desejei tê-la, achava um absurdo um puritano conseguir tudo o que quisesse e decidi me apropriar dela, mas meu irmão não era tão tolo. Brigamos e meus pais se envolveram, pela primeira vez disseram tudo o que pensavam de mim. Falaram da minha distinção. Do quanto não me parecia com eles, por quê?

Tudo fizeram para demonstrar boa conduta e retidão moral e eu não assimilei nada?

Peguei minhas coisas e fui embora, nunca mais olhei para trás. Eu sempre me perguntei por que eu era tão diferente deles. Não era adotado e ainda assim, não tinha nada a ver com eles. Eu fiz tanta coisa errada, matei, roubei e depois que desencarnei me liguei com um grupo afim. Só fazendo maldade até que conheci uma família que me lembrou da minha família carnal. Eu estava com o coração embrutecido, mas me deixei tocar pelos sentimentos daquele casal e seus dois filhos. Fazendo pelos outros sem poder... No início, achei que fossem uns otários, mas depois eu vi o quanto eles eram devotados e me envergonhei de estar perseguindo.

Eu desejava fazer mal e dificultar a vida que já era bem difícil e eles ainda oravam pelos perseguidores, ou seja, eu. Orar por mim? Como podia ser isso? Eu me entreguei para aquela luz e senti um bem estar que me fez adormecer. Aí cheguei aqui doutor. Já faz um mês que estamos trabalhando e eu ainda não sei quem sou. Eu não me reconheço mais e estou confuso.
TIMÓTEO
28/01/18

--------------------Paula Alves---------------------

“MINHA VIDA FOI DIFÍCIL E FOI BOA DEMAIS PARA MIM”

Elas pareciam íntegras, mas não se moviam. Foi tão rápido. De um dia para o outro eu não era o mesmo e elas estavam imóveis. Eu nunca havia pensado no quanto eram importantes para mim e para todas as pessoas. Nunca tinha me dado conta do quão importante é nossa saúde.

Tive uma doença na medula e fiquei paraplégico. Eu tinha uma vida boa, uma carreira bem sucedida e não aceitei quando os médicos disseram que não havia mais nada a fazer para que eu voltasse a andar. Nenhum tratamento iria trazer minha mobilidade de volta. Eu passei por vários estágios psicológicos e me adaptei para continuar vivendo. Nada fácil de aceitar e nem sair na rua de cadeira de rodas, mas eu estava cansado do quarto escuro. Eu deixei a vida passar e esperei para formar família. Eu achei que tinha tempo, que eu podia me estruturar financeiramente. Construir um belo patrimônio, ter casa e tudo o que era importante do ponto de vista material para depois procurar uma esposa e pensar em filhos. Deixei o mais importante de lado. Naquela ocasião eu estava sozinho com uma bela casa vazia e um carro que não conseguia dirigir. Tentei voltar para o trabalho e me dei conta do quanto era trágica minha situação de cadeirante numa empresa que nunca se preocupou com acessibilidade.

Os mínimos recursos são favoráveis para quem precisava se locomover com uma cadeira. Tive muito apoio, não me melindrei. Arregacei as mangas e trabalhei intensamente, modifiquei algumas situações, arranjei facilitações e fiquei feliz por isso. Contratei outros como eu que eram esforçados no trabalho que desempenhavam e um dia, encontrei uma mulher maravilhosa. Chorei porque eu havia encontrado uma mulher que não merecia ter um marido cadeirante. Eu nem poderia pedir, mas ela me escolheu e nós ficamos juntos. Tudo é possível no mundo de Deus. Minha vida foi difícil e foi boa demais para mim. Tive tudo com dificuldade, mas tive e consegui enxergar muito depois da minha doença. Vi melhor todas as pessoas, valorizei questões simples, o corpo, o semelhante, a família, o casamento. Tudo foi muito mais importante depois da minha limitação. Eu pensei e avaliei meus propósitos, eu devia aproveitar intensamente e fiz isso.

Vim pra cá velho, cheio de otimismo. Eu sou grato pela Olívia minha esposa que me recebeu apesar das minhas limitações. Eu sou grato pelos amigos leais e por tudo o que tive de oportunidade. Quando cheguei aqui e soube que eu mesmo havia pedido pela prova, sorri. Tudo a ver comigo pensar numa prova como aquela. Ainda tem este inconveniente, as pernas chegaram aqui sem movimentos e eu ainda preciso melhorar esta situação para recomeçar, mas sei que conseguiremos doutor.
ALFREDO 
28/01/18

--------------------------------Paula Alves-----------------
     



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