Cartas de Fevereiro (16)



Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“QUE JUSTIÇA É ESTA?”

Quando me sugeriram para voltar e recebê-lo como filho, eu recuei. Fiquei assustada e temerosa. Ele havia me feito sofrer tanto que eu acreditava que não poderia ficar perto dele. Como poderia carregá-lo nos braços? Mesmo com o esquecimento do passado, seria impossível aceitar que ele seria meu filho. Eu fui estuprada e foi um ato tão violento que nunca mais me recuperei psicologicamente. Nunca mais permiti que um homem se aproximasse de mim. Quando no plano espiritual, me informaram que receber aquele homem como filho, seria o melhor a fazer eu fiquei espantada.

Que justiça é esta? Eu deveria perdoar e amar meu inimigo, mas como? Não tinha o que fazer. Eles já haviam decidido e tudo estava interligado. Tantas pessoas interligadas em famílias próximas, tantos afetos que iriam nos auxiliar que eu não poderia discordar. Fui enviada e durante anos eu evitei ser mãe. Me casei com o amor da minha vida. Osvaldo sempre foi um marido maravilhoso e desejava um filho, mas eu não sabia o que fazer para evitar a conversa onde ele me pedia para ser mãe. Eu, de fato, nem sabia o motivo da recusa, mas ficava amedrontada com a hipótese de trazer alguém ao mundo. Eu não era dada a religiões e ficou mais difícil me convencer.

Meu casamento já estava prestes a terminar quando eu tive uma notícia inesperada... Estava grávida. Nem entendi como porque sempre tomei contraceptivos e não havia condições para estar grávida, mas eu estava. Durante toda a gravidez fiquei mal, muito incomodada, irritadiça. Era como se o mundo estivesse me fazendo sofrer, viver uma coisa que eu não queria. Eu não o desejava em mim. Era terrível aquela aproximação. Mas, tudo passa e os nove meses também passaram. Quando ele nasceu eu não quis nem olhar. Rejeitei meu filho o tempo todo. Não amamentei e olhava para ele no berço me irritando até com o sono dele. Disseram que eu estava com depressão.

A verdade é que eu não tinha felicidade com ele dentro da minha casa. Quem pode entender doutor? Eu sentia que era ele, entende? Mas, o menino cresceu e instintivamente ele fazia de tudo para ser amado. Fazia tanto que o amor começou a brotar em mim, inconsciente eu fui sentindo. Amor não tem como descrever, uma sensação estranha, vontade de abraçar e beijar. Preocupação com o bem estar o tempo todo. Eu passei a nutrir um afeto por ele e quando me dei conta eu o amava de forma incondicional. Daria minha vida por ele e ele, eu sei que faria o mesmo por mim. Impressionante lei que nos une. Eu sou imensamente agradecida de saber que Deus teve um plano para nós e que o Adonias reparou todo o mal que me fez me amando como sua mãe.
SELENA
03/02/18

--------------------Paula Alves----------------

COISAS DE ADULTO COM MENTE DE CRIANÇA”

Nunca desejei que ficássemos separados. Não sei o que nos afastou. Fomos criados juntos e tivemos as mesmas coisas, o mesmo carinho dos pais e, se passamos por dificuldades, tivemos os mesmos esforços primários. Fomos bem educados e não compreendi o porquê nos distanciamos.

Eu ainda o amo, mas fica difícil pensar em vê-lo. Sei que ele planejou muitas coisas para me comprometer, sei que me invejava e eu sentia ciúmes dele com nossa família. Coisas de adulto com mente de criança. A gente se separou de forma tão brusca por causa de meia dúzia de palavras gritadas. Ofensas que me fizeram sujar as mãos quando o agredi. Eu não queria, mas perdi a cabeça. O tempo se passou e tudo piorou quando nossos pais morreram. Briga de herança é coisa feia.

Ninguém quer perder, mas na verdade já perdeu o que era realmente importante. O que nós conseguimos nunca preencheria as lacunas do coração. Ele nunca se lembrou dos bons momentos que vivenciamos e de todas as vezes que eu sorri, que eu o defendi, que eu fui irmã dele. Não olhou para trás, simplesmente foi embora para sempre.

O que faz uma família ruir assim? Não devia ser assim. Eu ainda sinto falta porque você pode formar outra família, mas existem pessoas que são insubstituíveis. O nosso orgulho faz a gente afirmar o contrário. Eu consegui vir para cá depois de muito tempo perambulando, louca por aí gritando que precisava de ajuda, mas decidida a acabar com a vida dele. Nem me dei conta de que ele estava me perseguindo, gritando como eu. Estávamos ligados pelo rancor o tempo todo. Eu penso que quero vê-lo bem. Desejo que ele fique lúcido e que possamos recomeçar. Nada importa agora para mim, apenas me certificar que podemos viver em paz.
LUCÉLIA
03/02/18

----------------------Paula Alves-----------------

“EU SOFRI POR AMOR”

Eu não queria que ela casasse. Sempre soube que ela era tudo para mim. Acho injusta esta lei. Onde já se viu ter que ficar separado? Eu fiquei e ela teve que voltar e ter uma nova vida. Tinha que casar, mas como? E eu? Não é assim que funciona não. Não tá certo. Eu procurei por toda parte. Demorou muito porque mandaram ela pra longe. Outro país, outra gente. Tudo pra encontrar com ele.

Ela nunca gostou dele e tinha que reparar. Reparar o quê? Não dá pra entender isso não. Aí, achei. Achei, mas ela tava mudada. Outra cara, outro jeito porque tinha uma família diferente da nossa. Quando achei, ela já tava diferente, tava dando confiança para o mardito. Ai que raiva me deu. Tentei fazer uma arapuca para ele, mas o cara era esperto e parecia me ouvir. Coisa de doido, ele me ouvia e rezava o tempo todo. Foi esquisito porque a Otacília não me queria por perto e pensava bem dele. Agora eu que era o errado e tava tentando separar o casal. Inverteu sabe? Eu quase enlouqueci porque passei de defensor, de Romeu, de herói à obsessor.

Que triste. Minha mulher, minha amada me desprezando. Eu chorei muito e sofri quando eles se casaram. Eu sofri por amor. Ver o casal junto me feria. Eu tive que passar por muita coisa pra sair de perto deles porque chegou num momento que eu nem conseguia me aproximar. Eles formaram um elo tão forte que fiquei de fora. Eu não queria mais sofrer. Eu só queria que você me ajudasse para eu não lembrar. Eu não quero mais me lembrar de nada disso.
LEVI
03/02/18

---------------------Paula Alves-----------------

“SABER E CONHECIMENTO SÃO PRA TODOS”

Eram as tartarugas marinhas que me encantavam. Quanta beleza existe no oceano. A vida é muito bela e tem gente que não sabe admirar. Quando encarnada eu sabia ver e sentir tudo nos detalhes que meu corpo possibilitava, o vento, a chuva, o som da natureza, grilos e mar, mas depois que desencarnei, quanta magia!

Tudo é lindo demais por aqui. Têm outras cores, outros aromas. É como um vislumbre. Eu sou imensamente agradecida por ter chegado aqui. Fui tão bem acolhida, me sinto como uma estudante, uma pesquisadora. Tudo me fascina e eu não canso de observar.

Vocês todos são belos demais e meu aspecto também está mudado, tão jovial, tão vivo. Chego a pensar que lá era só ilusão. Na carne tudo ofusca, mas não é de verdade. É um aglomerado de matéria que nem se preenche de verdade. É estranho. Os sentimentos são limitados, as ideias prolixas, tudo irreal. Eu desencarnei jovem, foi um golpe brusco, um caminhão. O corpo ficou irreconhecível e quando acordei estava aqui, tão bem. Disseram que eu vivi o que escolhi. Passei pelas provas necessárias e as encarei com simplicidade, com gratidão. Tive dificuldades sim, faltou até o que comer, mas eu encontrei gente tão boa. Vizinhos que levavam o que a gente precisava na hora certa. Era mamãe e eu, nós trabalhamos duro e nunca mudou a vida, sempre difícil. Faxina e grana pouca.

Eu adorava as tartarugas, mas quem dera poder estudar. Coisa de rico. Aqui não tem disso. Saber e conhecimento são pra todos, para quem quiser. É muito bom. Só agradecer porque antes do acidente minha mãe conheceu um cara legal. Um homem bom pra ficar com ela. Foi ele quem ajudou a resolver tudo. Tão difícil pra mamãe. Eu sei que ela sofreu muito e eu queria tanto que ela soubesse de mim. Que eu estou tão feliz aqui. Ainda mais depois que eu soube que a gente vai se ver de novo.

Aqui o tempo passa tão rápido, é um piscar de olhos e ela já vai ter passado por tudo o que precisa, deixando aquele corpo cansado e vem pra junto de mim. Eu to torcendo pra dar tudo certo pra ela também. Não desistir, fazer tudo com bondade, com gratidão, saber apreciar o que Deus faz na nossa vida e logo, logo a gente vai estar se abraçando de novo.
BIANCA
03/02/18

-------------------------------------Paula Alves---------------------------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias



“NENHUMA DATA CORROMPE AS PESSOAS VALOROSAS”

Cheguei feliz para dar a notícia. Eu faria tudo por aquela negra. Oh! Mulher bonita. Eu me apaixonei por ela menino ainda e nunca imaginei que não era correspondido. Me esforcei tanto. Trabalhei duro e, embora meus recursos financeiros fossem tão sutis, eu acreditava que podíamos ser felizes com todo o meu amor.

Consegui comprar um barraco perto da mãe dela e corri pra avenida para dar a notícia à Cibele. Eu andei pela concentração e tive a certeza de que meu amor poderia superar qualquer coisa. Qualquer dificuldade financeira, qualquer crise seria superada pela força dos meus sentimentos, mas não imaginei que aquilo pudesse acontecer.

Cheguei com a chuva e quando me deparei com a cena, eu gritei escandalizado. Ela o beijava com tanto fulgor... Era indecente, era ofensivo. Foi cruel ver como ela o agarrava. Ela era minha noiva e eu tinha o maior respeito por ela que seria a mãe dos meus filhos. Como podia ser uma versão tão promíscua da minha noiva?

Eu a odiei. Eu quis vê-la morta doutor. Eu desejei nem existir a ter que assumir tudo aquilo. Assumir que fui enganado nos meus mais sinceros sentimentos. Eu a amei como a alguém que se idolatra e ela me enganou.

Não é só pelo orgulho que explode no peito. É pelo arrependimento de se doar inteiramente, enquanto a outra pessoa zomba dos seus nobres sentimentos. Ser enganado, se sentir fragilizado pela falta de lealdade dói.

Eu nem soube o que fazer. Quis chegar perto dos dois e bater, acabar com eles, mas minhas pernas fraquejaram e eu fiquei como uma criança acuada. Fui embora e devolvi a chave do barraco, me preparei para ir embora. Minha mãe tentou justificar e falar do Carnaval. Ninguém é de ninguém, comemoração do Satanás, filho! – disse ela. Mas, ninguém obrigou a Cibele a me trair. Nenhuma data corrompe as pessoas valorosas.

Quem ama, não brinca com os sentimentos do outro e nem coloca os impulsos, os desejos em primeiro lugar. Me despedi da mamãe e fui embora. Eu nunca consegui esquecer o que aconteceu e sei que isso fez parte da minha vida porque nunca me casei e nem consegui formar família. Eu não confio nas pessoas doutor. Talvez seja muito orgulhoso mesmo, achando que as pessoas sempre cometem erros e que eu sou o certinho, sei lá. Como é possível reverter esta situação?   
SUZANO
11/02/18

----------------Paula Alves---------------

“A EMOÇÃO DE OUVIR O TAMBORIM É INENARRÁVEL”

Foram mais de vinte anos com as vestes pesadas girando na avenida. Roupas que levaram meses para serem feitas. Tanto trabalho para confeccionar e me tornar uma baiana. A emoção de ouvir o tamborim é inenarrável. O coração pulsa mais forte. Os pés entram em cadência e eu girava feliz. A família toda achava estranho, já velha na passarela, mas eu não ligava, girava feliz.

No ano derradeiro, fui avisada pelo médico que meu estado de saúde era grave. O coração estava tão fraquinho, ele achava que eu não suportaria mais um carnaval, mas o carnaval era toda a minha alegria. Minha vida sempre foi dura demais. Mãe solteira, pobre, morava num barraco tão apertado, tudo tão difícil, só sobrava alegria no carnaval.

Ilusão?

Eu nunca me importei com palavras. Eu queria sentir, mais do que fome, sofrimento e cansaço, eu queria me alegrar. O carnaval era o único momento em que eu me sentia parte integrante de alguma coisa. Como se as pessoas tivessem o mesmo ideal que eu. Eu não era mais sozinha lutando, eu tinha um grupo inteiro lutando comigo na apoteose.

O médico falou que eu não poderia desfilar e meus filhos me proibiram. Eu fugi. Peguei minha enorme fantasia de baiana e fugi de casa e dos meus filhos. Eu desfilei e fui feliz mais uma vez, eu senti mais uma vez. Dois dias depois eu desencarnei. Antes disso, eu falei para os meus filhos que o maior presente foi ter desfilado mais uma vez.

Quando cheguei aqui fui tão bem recebida. Estava alegre e animada, não sofri, vim direito para cá. Me informaram que todos os Espíritos devem fazer o processo de evolução, enquanto estão encarnados. Todos devem aprender tudo, pouco a pouco. Aprender em artes e ciência, mas também devem aprender em sentimentos adquirindo as virtudes. Eles me explicaram que o que eu sentia com o carnaval me fez avançar nos sentimentos. Se não fosse isso, possivelmente eu teria retornado mais endurecida pelas dificuldades que enfrentei.

Eu sou muito grata por ter nascido no Brasil, numa comunidade onde as pessoas vivem o carnaval.
SÔNIA
11/02/18

----------------Paula Alves---------------

“ESTRANHO PORQUE QUANDO NÓS DESEJAMOS COM TODO O CORAÇÃO, A VENDA CAI”

Eh! Pingaiada! Como foi divertido tio. Muita farra e brincadeira. Minha vida foi só diversão. Eu achei que pudesse burlar as regras para sempre e, de repente, me deparei com esta nova realidade, cheia de responsabilidades e seres de todos os tipos.

Durante minha última encarnação, acreditei que com todos os amigos que eu tinha e também com a família facilitando tudo, eu poderia me privar dos sacrifícios e viver a alegria, mas não era bem assim.
Foram momentos muito prazerosos, onde o dinheiro pode comprar tudo. Ostentação, drogas, garotas, bailes, tudo de bom. Parecia que era só isso e eu não tinha que ter muito esforço mesmo, fui vivendo.

Desencarnei num baile de carnaval porque flertei com uma linda jovem que estava acompanhada. Levei uma facada e morri em breves instantes. Eu fiquei preso naquele baile por décadas. Já não aguentava mais as mesmas músicas, os mesmo drinks, os mesmos entorpecentes e desejei a lucidez. Eu estava tão confuso e desejei ser consciente.

Estranho porque quando nós desejamos com todo o coração, a venda cai.

De repente, eu vi tudo. Revi minha vida e minha morte. Eu percebi que tudo o que fiz, foi não ter feito nada e viver na brincadeira o tempo todo. Eu percebi o quanto perdi e chorei. Eu quis ter feito diferente. Eu me lembrei dos meus propósitos, dos meus planos e do que deveria ter feito para ter retornado jubiloso. Percebi também o quanto antecipei o meu retorno e as pessoas que estavam contando comigo e nunca tiveram o meu apoio.

Eu devo viver com isso, enquanto um novo plano se firma para mim. É difícil ter certeza de tudo isso e poder prosseguir independente do remorso. Eu agradeço o espaço e também pela sensação prazerosa de alívio.
ÁLVARO
11/02/18

---------------------------Paula Alves----------------------------

“MAS A DIGNIDADE DE MÃE É SUPERIOR A TUDO E EU ME VIREI”

Ele era músico. Eu o conheci numa roda de samba e me apaixonei pela música que ele tocou. Meus olhos brilharam quando vi o dono da voz. Marcos era incrível. Foi difícil me aproximar porque todas queriam estar com ele, mas depois de dois meses, ele me viu. Nós saímos e eu tive que me acostumar com tudo. Com as festas, com as músicas, as bebidas e as fãs. Mas, eu o amava e era fascinada por ele. Sabia que a música era sua paixão e eu nunca seria capaz de me opor ao seu talento.

Nós nos casamos e fomos felizes por um tempo. Até que eu engravidei e não pude mais acompanhá-lo. Ele não achava certo que eu o acompanhasse e pudesse comprometer meu bebê nos bailes. O carnaval chegou e nosso filho estava prestes a nascer. Nascerá no carnaval! – dizia ele contente.

Eu deveria ficar em casa, enquanto Marcos sairia para tocar e cantar. Fiquei indignada, não aceitei que ele saísse porque eu já estava sentindo as dores do parto. Eu não queria me opor à música e ao trabalho no carnaval, mas e eu? E nosso bebê?

Naquele momento eu soube que seria sempre um segundo lugar para nós. Eu e meu filho sempre no segundo lugar, sempre poderíamos ser rebaixados porque a escola receberia a nota máxima em sua vida.

Eu peguei as malas, tudo o que pude carregar e fui embora. Pedi asilo na casa dos meus pais que me acolheram muito mais pelo tamanho da minha barriga do que por qualquer outra coisa. Naquela mesma noite nasceu o Dimas. Meu filho me encheu de esperança e um amor tão grande que eu seria capaz de suportar tudo por ele, mas a dignidade de mãe é superior a tudo e eu me virei.

Marcos veio atrás de mim, levou quatro dias para nos procurar. Na quarta de cinzas ele se lembrou da família e eu já tinha decidido muita coisa. Eu falei com ele, exigi o registro, exigi o auxílio para o menino e exigi que ele nunca mais me tratasse como sua esposa porque eu merecia mais do que um amor de inverno. Eu queria ser amada durante o ano todo. Queria ter exclusividade e queria que fossemos importantes para alguém como a música era para ele. Eu abri mão do Marcos e fui feliz sem ele. Estranho como é bom sentir-se livre.

Ele sempre teve contato com o filho e nunca mudou. Teve outras mulheres que também não conseguiram dividi-lo com o carnaval. Eu me transformei numa grande mãe e fui observada por um homem maravilhoso que se tornou meu esposo tempos depois. Sou muito agradecida ao Marcos pelo compromisso que tivemos. Algumas pessoas só se esbarram para concretizar os planos, de outro modo nunca seriamos pais do Dimas.

Meu filho foi tudo para mim. Ser de luz que me auxiliou ensinando uma série de coisas especiais para meu aprendizado. Graças a Deus.
ESTEFÂNIA
11/02/18
   
------------------------Paula Alves----------------------



Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“VENDER O ALMOÇO PRA COMPRAR A JANTA.
 NÃO DEU”

Eu até tentei, mas não era pra mim. Vida miserável! Só trabalho o dia todo e nada de alegria, nada de felicidade. Vender o almoço pra comprar a janta. Não deu.

Eu passei muita miséria na infância. Trabalho duro na roça, comida pouca, sempre a mesma coisa, surra todo dia porque eu era preguiçosa?
Será?
Por acaso aquilo era vida pra criança?
Eu tive culpa por que eles tiveram um bando de filhos?

Fala sério, eu era criança e queria brincar. Eu não servia para lavoura, eu queria um brinquedo, só isso. Mas, tudo bem, cresci e a vida continuou difícil. Também, semianalfabeta pode querer o quê? Meus pais sempre me negaram tudo o que era bom porque eu era mulher, porque eu era esposa, mãe, cristã.

Não, aquilo não era vida de gente. Eu não vou te falar que eu não os amava. Amor eu tinha, mas não tinha ânimo para viver no sofrimento por mais tempo. Aquele casamento que foi arranjado com outro pobre como eu. Por umas terrinhas que não rendiam nada e só me fizeram trabalhar ainda mais. Emprenhei e de enxada na mão. Queria não doutor. Queria não.

Entreguei tudo para Deus. Três filhos e um marido medroso, covarde. Fui embora. Não arrependi ainda. Larguei tudo para trás e fui viver onde ninguém me conhecia. Depois de anos, arrumei outro homem e casei de novo. O danado era da igreja e quis colocar cabresto. Eu tentei de novo. Saia comprida, véu, tudo o que tinha de ter eu fiz. Orei, tentei seguir, mas de novo não deu. Eu queria dançar, viver a vontade.

Não sei te explicar, mas acho que este sentimento de cristão, de servo que se curva não brotou dentro de mim. Eu gosto de ser livre. Eu vejo esta moça aí e nem sei o que passa na cabeça dela. Viver pra satisfazer os outros, viver para solucionar os problemas alheios. Que felicidade é essa?
Não era pra mim. Também vou te falar, fazer de falsidade acho que não é solução porque Deus vê tudo e sabe do interior da gente, nisso eu creio. Preferi seguir na sinceridade. Seguir minha vida livre.
Eu separei dele, arranjei um emprego e fui viver sozinha. Dancei muito, tive minhas amizades e meus namoros, fui feliz do meu jeito, mas tinha sempre um peso na minha consciência que eu só descobri quando cheguei aqui.
Essa história de plano é duro. O tal do plano tem que ser seguido, por isso, que Ele disse que a felicidade não é deste mundo. Porque, às vezes, você não faz na felicidade, faz na obrigação. Faz porque tem que fazer e pronto. É assim, nem sempre pelo amor, nem sempre de comum acordo, mas porque tem que ser feito. Eu recusei tudo. Todas as minhas obrigações foram recusadas para viver uma liberdade que não me pertencia. Eu falhei de novo. Da próxima, sabe o que escolhi? Incapacidades físicas. Só assim doutor. Senão, erro de novo.
BERNARDETE
17/02/18

----------------Paula Alves--------------

DESDE QUANDO ORAÇÃO DERROTA ALGUÉM?

É uma coisa doentia esta de ligação. Eu fui apaixonado pela mulher que na outra era minha filha. Depois, eu ainda quis perseguir. Sei lá, muda tudo na cabeça da gente quando a gente tem o histórico. Eu esquecia e ficava correndo atrás dela. Cheguei a perseguir, enquanto a pobre estava crescendo. Num corpo infantil, frágil ainda, e eu querendo cobrar satisfação.

A mente da gente é um troço estranho. Como obsessor eu vivi um dilema terrível porque tinha acesso a algumas imagens e as lembranças eram reveladas como se eu fosse a vítima e queria cobrar. Não me orgulho de nada e reconheço que errei, mas demorou muito pra chegar nesta fase.

A menina de quatro anos chorava sem parar só de sentir minha presença. Eu não fazia nada, nem conseguia chegar perto dela porque tinha sempre aquela senhora para defender. A senhora era a protetora. Nem deixava chegar perto, isso me irritava bastante. Mas, a coitada da menina chorava e a mãe ficava desesperada pensando que a menina estava doente. Que nada, era eu. Eu achei estranho ver aqueles dois fazendo de tudo para tratar a menina bem, pra ela ficar tranquila e contente. Justo eles que, um dia, fizeram mal para nós dois. Eles atrapalharam tanto e impediram nosso enlace. Eu não podia suportar a união deles, dos três. Eu até tentei atacar, mas a senhora não deixava. Tinha muito Espírito naquela casa e vinham dizer que a culpa do choro era minha. Cada um ali tinha seu acompanhante e ainda tinha a mulher que cuidava da casa deles, também era um Espírito e eu era o único ruim?

Eu ainda não entendo. Tem muita coisa voltando aos poucos. Só sei que, de repente, eles começaram a orar. Toda semana tinha oração. Pra quê? – eu pensei. De início achei que estavam orando para acalmar a menina, mas depois eu percebi que era pra mim. Estavam orando pra mim. Pra me afastar dela. Ah! Fiquei nervoso. Oração?

Desde quando oração derrota alguém? Mas, quando chegou o grupo de branco me explicaram que ninguém queria me derrotar, queriam me ajudar a perceber que só a bondade faz bem pra gente.
Queriam que eu tivesse lucidez. Eu aceitei vir para cá. Aceitei me modificar e abandonar a vida de sofrimento. Decidi olhar pra mim porque eu estava mal mesmo e a menina já foi alguém que eu amei muito. Hoje eu estou me esforçando para recomeçar, ainda falta muito para ser bom, mas mal já não quero ser.
IZIDORO
17/02/18

--------------------Paula Alves----------------

“EU NASCI PARA SER MÃE E QUERIA TER UNS QUATRO FILHOS”

Eu lembro o parto e da vontade que eu tive de ver a carinha dele. Lembro da correria no hospital. Eu me senti mal, falta de ar, suava frio. O bebê parecia estar agitado e apressaram meu parto.

Em casa estava tudo arrumado. Eu cuidei de tudo com tanto carinho. Preparei cada peça, bordei, lavei, arrumei o quartinho com tudo o que pude. Meu esposo era um coruja, um fofo. Me enchia de carinhos, dizia que estava linda. Eu me senti linda mesmo, aquele barrigão. Eu nasci para ser mãe e queria ter uns quatro filhos, mas alguma coisa deu errado. Não sei por que. Eu tive uma gravidez tranquila, super saudável e na hora do parto aquela correria, aquela aflição.
Estou aqui no hospital há quatro dias e não consigo entender por que ainda não vi meu bebê doutor. Não recebi nenhuma visita dos meus familiares. Meu esposo deve estar aflito para me ver e ninguém me explica o motivo de estar fazendo um tratamento psicológico. Eu não compreendo. O senhor já me pediu para ter calma e vive falando que eu tenho que relembrar, mas relembrar o quê? Eu quero minha casa e minha família e toda vez que me agito me pedem para voltar pro quarto e eu durmo por horas, na verdade, mais parecem dias inteiros. Não sei o que está acontecendo.

Às vezes, eu tenho a sensação de que perdi tudo. Perdi todas as possibilidades de ser mãe. Eu me sinto tão frustrada porque sinto que não vou poder desempenhar minha tarefa de mãe. Eu tenho umas lembranças estranhas de uma pessoa que não era eu e que maltratava os filhos. Uma mulher ignorante que privava os filhos do básico. Por que alguém faria isso doutor? Eu nunca faria isso com meu filho, nunca.
ISAURA
17/02/18

-----------------------------Paula Alves-------------------------

“SÓ EXISTE O CADA UM POR SI.”
“COMO CONFIAR?”

O colar de pérolas não era para ser dela, era para ser meu. Tudo aquilo era para ser meu. A vida toda fiquei perto dele. Fui amiga, confidente, aguentei toda ira, leviandade, toda bebedeira e não fui cortejada. Infeliz de mim. Eu não vou tolerar ouvir que estava obcecada. Não era isso. Eu me senti ofendida. Amor? Não acredito que saiba o que é amor, mas como toda criatura. Ninguém sabe o que é amar. As pessoas fingem. São sarcásticas e cruéis. Só existe o cada um por si. Como confiar?

A verdade é que quando você precisa de alguém, as pessoas te dão as costas. Eu já tentei usar de sinceridade, eu já tentei ser amiga, ser leal, o que eu ganhei?
Amargurada?

Não é bem assim. Isso são apenas palavras, não me definem. Eu sei que todas as vezes que tive necessidade de um ombro amigo, fiquei chorando sozinha e mesmo para comemorar, só com o bolso cheio de dinheiro, senão você é nada, entendeu?

Pode ser feio de ouvir, mas é a minha verdade e é isso o que me interessa agora. Nunca na vida recebi afeto sincero e nem sinto falta de quem quer que seja. Aquele colar de pérolas deveria ter sido meu e ele se casou com ela. Viveram muito bem e depois que eu padeci, vim para esta vida, eu não poderia ficar longe deles? Por que foi que fiquei colada naqueles dois? Eu nunca quis. Simplesmente fiquei dentro da casa deles por dez anos. Vendo aquela mulher horrorosa com o colarzinho no pescoço, enquanto o marido fazia tudo o que não devia por aí. Eu queria sair, me livrar deles e não conseguia abrir a porta. Eu estava presa na felicidade fajuta dos dois.

A irmã dela parecia me ver. Ficava olhando para minha direção e chorava. Ela tinha pena de mim, tem sentimento pior que pena? Ela que era uma coitada, ficar passando mal por causa de uns esfarrapados como eu. Orou tanto que atraiu um bando para o lar. Chegaram dispostos a me ajudar, mas eu não confio em ninguém, não tem jeito. Agora dancei né? Fazer tratamento para retornar. Não estou entendendo como isso pode ajudar porque eu vou renascer como filho do cafajeste. Filho dele com outra mulher e esta esposa que não percebe nada.

O plano é que ela me acolha em sua casa. Pode? E eu tenho que confiar que vai dar certo tudo isso? Eu não quero ir, prefiro ficar por aqui mesmo.
ARLETE
          17/02/18
         
-----------------------Paula Alves--------------------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“JULGUEI TODOS COMO UM SÓ”

Família coisa nenhuma. Eu sempre estive presente. Nunca me omiti ou deixei que faltasse qualquer coisa para eles. Naquela ocasião eu precisava do apoio. Eu precisei deles. Meu filho só tinha quatro anos. Nós estávamos todos juntos. Eram churrascos e festas de todos os tipos. Casamentos, batizados, festas de aniversário ou reuniões para matar a saudade. Sempre nos divertindo com primos, sobrinhos, tios e avós, mas eles se afastaram de nós.

Quando o Murilo começou a se sentir mal, no ato, procuramos o pediatra. Minha esposa ficou desesperada com a mudança do garoto. Sempre fomos pais tranquilos, mas a palidez e o cansaço eram visíveis. De cara precisamos de doação de sangue e nesta, vários não puderam ajudar. Tinha desculpa para tudo, mas a verdade é que foram poucos que ajudaram.

Depois disso, ele piorou mais e eles visitaram no hospital se comportando como se o menino fosse morrer naquele mesmo dia.
O fato é que, depois de algumas semanas, ele não morreu, porém piorou extremamente, não sobrou ninguém, apenas eu e minha esposa. Todos se afastaram. Diziam até que sofriam muito por ver o estado em que estávamos, coitadinhos né? Será que sofriam mais do que nós ou o garoto que estava todo cheio de cateteres?

Eu me frustrei com minha família e percebi que, em dia de festa, estavam reunidos, mas na dor não podíamos contar com eles.

Murilo saiu do hospital e precisou de quimioterapia. Naquela época, o diagnóstico era fatal, só tínhamos que esperar o tempo de Deus e tratar com o que tinham disponível, que mais destruía o corpo do que o próprio câncer.

Em casa até recebemos algumas visitas que choravam na frente do menino deixando-o assustado. Fiquei com vontade de proibir, mas não foi preciso, eles nunca mais voltaram. O pior é que ficamos sabendo das diversas ocasiões que se reuniram sem nós. As festas continuaram, as comemorações sempre existiram sem nós. Enquanto estávamos no hospital ou sofrendo no lar, eles tinham motivos para curtir e se alegrar. Eu sei que dentro de mim tem rancor, um fel escuro que fere meu coração e sei também que foi isso que me aniquilou pouco a pouco, depois que meu filho morreu. Eu não quis vê-los. Julguei todos como um só. Não senti vontade de visitá-los e só os recebi no velório porque não tive forças para lutar contra eles.
A dor de perder um filho é pior que tudo. Eu virei um bagaço. Tive pena da Laura, minha esposa, mas não pude consolá-la. Eu não consegui. Eu vi minha vida destruída quando perdi meu filho. Estou aqui me tratando para perdoar e perceber que as pessoas só dão o que tem. Eu não concordo e sei que está difícil para me tratar. Meu filho resgatou.

Foi um garoto tão corajoso. Foi bem recebido no plano espiritual e já veio me ver. Ele tentou me clarear a mente, tentou me ajudar. Ele é excelente. Um Espírito de luz que me faz enxergar o que há de melhor nas pessoas. Peço a Deus coragem e discernimento para prosseguir.
JOÃO PAULO
25/02/18

-----------------------------------Paula Alves------------------------------

“MAS EU ESCOLHI NÃO FAZER NADA”

Eu sei que muitos dirão que não dá para entender porque eu tinha tudo. Todas as possibilidades, todos os recursos, família e intelectualidade. Eu tinha e me sentia vazio. Era como se nada pudesse me fazer sentir bem. Eu não quis mais continuar. De repente, parei com tudo e só observava a janela. De onde eu via, conseguia perceber a correria das pessoas, sempre atrasadas. Seus carros impecáveis e, ainda assim, tinham que trocar.

Vi o vizinho que tinha duas namoradas, elas eram tão apaixonadas e nunca se encontravam, ele ria.
Vi a mulher do cachorro quente, trabalhando até em dia de chuva, tão esforçada, mas ali ninguém queria cachorro quente.

Via a babá passeando com o garoto, ele chutava a canela dela todo dia. Era tão abusado e a pobre só estava trabalhando. A professora que comia a maçã nunca olharia pra mim. Eu via a chuva e tomava um pouco de sol, tudo na mesma janela. Até pensei que meus pais iriam notar, mas não. Ela estava tão preocupada em fazer as malas. Tinha que viajar para Paris. Eu fui ficando, nem notei meu emagrecimento, não notei a tosse. A pneumonia se instalou e eu não quis procurar o médico. Quando vi já estava fora do corpo. Tanta dor e a tosse, a mesma janela.

Aos poucos, as pessoas foram aparecendo. Veio ela e a empregada para decidir o que seria feito do meu quarto. A casa era tão grande e ela precisava do quarto? Eu não queria sair, fiquei ali e a empregada sentiu. Falou que era mal assombrado.

Eu ri. Vida difícil a minha, virei fantasma. Sei lá quanto tempo passou olhando a janela. O quarto nem tinha mais os meus móveis, nada e eu olhando a janela. Ninguém muda doutor. As pessoas vivem a mesma vida de sempre. Eu não tenho ânimo. Foi um suicídio involuntário. Eu não queria viver, mas também não iria me matar, aconteceu que fui irresponsável. Não me cuidei como deveria e o meu corpo não aguentou. Eu já soube que tinha algumas coisas importantes para resolver, inclusive com aquelas pessoas, mas fui um covarde, um acomodado. Nós devemos interagir com o mundo o tempo todo porque assim, podemos trocar experiências e aprender, evoluir. Eu fiquei preso, eu mesmo me enclausurei e não fiz mal a ninguém, mas também não fiz o bem e prejudiquei a mim mesmo, uma vez que destruí meu corpo por falta de cuidados e ainda desperdicei chances de reconciliação.

Eu deveria me aproximar da professora e constituir família com ela. A mulher do cachorro- quente deveria ser admitida para trabalhar na nossa casa, assim como a babá cuidando de minhas filhas, ela teria coragem de falar para a mãe do garoto o quanto ele a maltratava e precisava de educação mais rígida. O vizinho iria ouvir de mim um sermão sobre leviandade dos homens, como devemos respeitar as mulheres. Tudo isso poderia ter acontecido se eu não tivesse preguiça, se eu me esforçasse. E tudo isso iria mudar drasticamente a vida de todos eles e a minha também, mas eu escolhi não fazer nada.
GABRIEL
25/02/18

----------------------------------Paula Alves---------------------------

“O PAI ACEITOU NA HORA”

Eu nunca gostei de estudar. Abandonei a escola e me entreguei a um trabalho que não dava nem para pagar o aluguel, isso tudo por comodismo. Eu tinha tanta coisa pra fazer. Com meus estudos eu ia ajudar tanta gente. Poderia ter dado certo. Eu escolhi a prova que tinha a ver comigo. Meu caráter sempre indicou que eu precisava avançar em intelecto e eu deveria estudar. Tudo foi favorável. O tio rico que apareceu de repente e ofereceu para pagar escola de grã-fino. O pai aceitou na hora. No início até gostei, imagina pagar de Patricinha? Curti.

Fui para escola, mas não pensei que estudava tanto. Chamaram meu tio dizendo que eu não estava acompanhando a turma. Meu tio era tão bonzinho. Explicou que de onde eu vinha era tudo muito difícil, elas tinham que ter paciência comigo. Falou que ia pagar professora particular para me ajudar a avançar nos estudos. Ele pagou mesmo e eu acabava com a moça. Dava até pena porque ela fazia de tudo para conservar as aulas que rendiam um bom dinheiro e eu ainda atrapalhava a menina. Hoje eu sei de tudo isso e me arrependo, coitada.

Já estava cansada de tanto estudo e passei a ser a revoltada da escola. A diretora não aguentava mais e chamou o tio de novo. Desta vez, ele falou com a mãe que me conhecia muito bem e disse que eu não ia só estudar se continuasse assim, eu ia trabalhar e voltaria para escola antiga.

Não liguei, falei uns desaforos para a diretora e depois de quebrar tudo fui expulsa. O tio ficou tão decepcionado que foi embora e não quis mais me ver, não pagou mais curso nenhum e a mãe constrangida me colocou para trabalhar no mercado. Ainda assim, eu não rendi, arrumei namorado e larguei a escola sem a mãe saber. Depois falaram para ela. Minha mãe disse que se era esta a vida que eu queria deveria sair da casa dela. O que? Me expulsar? Não precisava me expulsar não. Eu fui embora e estava morando num quartinho. O dinheiro do trabalho nem pagava o aluguel direito. Depois disso, foi questão de dias para ter uma perseguição e eu levar um tiro que me trouxe para cá.

Agora eu entendi tudo. Sei que fui uma boba. Recusei a boa oportunidade que tive. Poderia ter sido diferente e, quem sabe, eu poderia até ter voltado jubilosa por ter cumprido minha tarefa, passado na prova, mas não. Não deu certo, agora vou ter que refazer. Bem feito.
LUCIANA
25/02/18

----------------Paula Alves--------------------

“ERREI TAMBÉM E AINDA TIVE QUE PAGAR PELO ERRO

A Janete roubou, eu vi. Nós sempre fomos amigas, mas roubo. Não aceito não. Aproveitou que a menina tinha ido ao banheiro e mexeu na bolsa dela. Moça bonita, toda arrumada, nem parecia que precisava trabalhar. A gente, nossa quanta diferença. Pobres, metidas a besta, mas nem onde cair morta. Trabalhando numa loja no shopping e a moça chegou com a maior educação perguntando se tinha alguma oportunidade para ela. A dona da loja conversou um pouco e logo já estava contratada.

Até parece que não deu curiosidade de saber quem ela era, muito fina para trabalhar na loja. Ela foi ao banheiro e a Janete mexeu na bolsa, nossa quanta grana. Cartão de crédito, maquiagem cara. Não entendemos nada. A Janete pegou a carteira da menina e só iria devolver no outro dia. Arrebentou de consumir no cartão da moça. Comprou tanto. Eu fiquei com aquilo na cabeça. Não era certo, mas eu ia entregar minha amiga? Não podia né?

E ainda comprou uma blusinha para mim, eu falei que tinha que devolver o cartão. No outro dia, a dona da loja estava esperando a gente, na hora cobrou o desaparecimento da carteira da menina. Falou que só podia ser uma de nós duas, que a menina estava indignada com a falta de comprometimento da gente porque a gente podia roubar qualquer um. A Janete toda dissimulada ficou com cara de revolta e disse que era um absurdo falar que foi ela. Disse que ela era séria e nunca havia roubado ninguém. Falou que se quisessem podiam até revistar a nossa bolsa, eu estranhei. Na bolsa da Janete não tinha nada mesmo, eu fiquei pensando “onde será que ela colocou a carteira?”

Me surpreendi muito quando a carteira foi encontrada na minha bolsa. Eu fui presa e demorou até minha mãe conseguir me tirar de lá. Pobre, sem pai. Eu nunca aceitei esta traição. Eu gostava dela e considerava a Janete minha melhor amiga. É muito triste a expectativa que a gente coloca nas pessoas e quando leva estes golpes parece até uma facada na nossa alma. Eu gostava dela e sentia que a gente tinha uma parceria por nossa condição difícil. Nada disso, ela fez a coisa errada e eu errei porque não falei para ela, eu acobertei. Errei também e ainda tive que pagar pelo erro.
MELISSA
25/02/18              


  

  

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