Cartas de Abril (16)

                                            Foto cedida por - Magno Herrera Fotografias

“As crianças são nossa salvação!” Benditas sejam todas as crianças.

Não é fácil explicar. Existem muitos motivos, mas dentre muitos deles, a necessidade de viver numa sociedade. De executar tarefas e viver executando ordens que te possibilite ter um local onde você pode viver de novo. No meu caso eu não tinha nada contra eles.

Eu apenas cumpria ordens, mais nada. Desencarnei e vaguei por algum tempo nas regiões sombrias. Passei fome e muito frio até que um dia apareceu um sujeito e me ofereceu trabalho. Segundo ele era uma oportunidade de me reerguer na vida. Ele me levou até o clã e eu me alistei. Daí pra frente foram muitas tarefas. Compreendam que os trabalhadores são desenvolvidos intelectualmente. Sabem os pontos fracos porque conseguem ter acesso aos pensamentos mais íntimos. Não há o que se pode esconder porque é mental. Então os encarnados ficam vulneráveis.

Eu persegui uma família porque me enviaram para o lar e, como eles não se protegiam, a casa estava sempre desprotegida também. Até tinha um trabalhador tentando zelar a casa, mas os próprios donos (encarnados) não possibilitavam o seu trabalho por causa das vibrações que eram baixas demais.

Eles já estavam quase se separando quando chegou uma criança na casa. Ele era o afilhado do casal e eu confesso que foi graças aquele molequinho que minha vida mudou totalmente. Que criança maravilhosa aquela. Tão cheia de encantos, de alegria. Uma simplicidade cheia de doçura. Ele ficou quinze dias naquela casa e tudo mudou.

Eu recebi toda aquela energia de amor e na hora me senti furioso porque não queria contrariar meus planos de separá-los, afinal eu estava ali para isso, mas não pude com ele (risos). O menino sentiu minha influencia e chorou tanto na primeira noite, ficou com febre, passou mal mesmo o garotinho. Eu fiquei penalizado porque ele não tinha nada a ver com toda vingança contra os adultos. Até os trabalhadores do submundo têm ética.

Me afastei um pouco e este foi meu erro, o moleque quis orar. O casal orou e a casa toda foi ganhando uma energia que irradiou amor. Aquele trabalhador que cuidava da casa conseguiu se aproximar com força e atraiu mais três que me persuadiram e eu aceitei o auxilio que me ofereceram. Não antes de me comover com a oração do moleque.

Hoje estou em tratamento no local onde me encaminharam e afirmo: “As crianças são nossa salvação!” Benditas sejam todas as crianças. Que Deus perdoe os meus pecados e dê paz para todas as crianças dos vossos lares.
José Cristovão.
02/04/17

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Eu fui enviada e me satisfazia vê-los brigando. Eu sempre fui tão infeliz e não iria permitir que as pessoas tivessem aquilo que sempre desejei e nunca tive. Inveja? Pode chamar do que quiser.

A questão é que existem tantos iguais por aí que aqueles que desejam o que as pessoas felizes têm se prestam a este papel. Eles criam um elo com aqueles que trabalham nas esferas inferiores em busca de fazer o mal para os encarnados. Pagam até o que não têm para criar a discórdia, fazer maldade. Que tristeza. São tantos como eu que ainda não perceberam que só o bem pode curar todas as feridas da alma. Ela me pagou para destruir uma família tão feliz e por algum tempo eu consegui o que queria porque foi fácil me infiltrar na casa.

A esposa estava tão perdida querendo conquistar bens materiais que se esqueceu do que a motivou se casar. Depois de algum tempo alguns casamentos caem na rotina e nos tormentos das dívidas, no cansaço, aí fica mais fácil. Esquecem de orar, não creem em Deus nem ouvem a espiritualidade. Então fica tranquilo para quem quer investir. O mal nunca será capaz de triunfar sobre o bem. Foi o que eu ouvi dizer quando me aproximei da casa.

Eu olhei para a porta de entrada e nela estava uma senhora que se parecia muito com a dona da casa, a esposa. Depois fiquei sabendo que era a mãe dela que desencarnara anos antes e se tornara um Espírito familiar. Tinha recebido a permissão para auxiliar a própria família. Eu ri do que ela falou e ainda disse uns desaforos. Fiquei naquela casa por dez meses e quando estava quase conseguindo separá-los a criança caiu doente e o casal se uniu tanto que eu desisti.

Eu me envolvi com toda aquela dor. Era como se eu fizesse parte daquela família, sei lá. Eu pensei que estava enfraquecendo, mas o doutor disse que eu estava sendo tocada pelos sentimentos deles. Ele me explicou que as pessoas ainda não sabem, mas um dia terão a consciência de que Deus permite que os maus se aproximem para que os encarnados sejam testados na sua fé, para que eles possam adquirir forças e elevar-se. Também porque eles podem colaborar com os maus e doar os seus melhores sentimentos porque todos nós somos irmãos.

Os bons e os maus são todos filhos do mesmo Deus e isso ajuda muito quem precisa. Deus não faz distinção entre os Seus filhos, por isso tudo acontece. Eu lucrei bastante e hoje já me sinto bem melhor. Ainda tenho uns tormentos dentro de mim, mas o tratamento está me ajudando. Estou em tratamento há três anos e só agora pude auxiliar na biblioteca. Sou feliz com o trabalho que desempenho e com o amor de Deus por nós. Fiquem em paz. Jaqueline.
02/04/17

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O que eu mais gostava era de ver as formas pensamentos porque é uma composição exata da vontade do encarnado. Engraçado porque o cara tá lá com aspecto de quem não tá fazendo nada e tá com um pensamento sexual.

A esposa e os filhos não têm como saber, mas a gente vê tudo e como modifica o ambiente doméstico toda aquela cena.

As pessoas envolvidas... É ainda pior porque liga um elo com a vizinha em quem ele estava pensando. Lá da casa dela, ela sentia uma tontura, dor de cabeça, coitada. Era o cara pensando no que não devia. Coisa de louco o pensamento.

Um dia as pessoas vão ter a certeza disso e muito será evitado porque os fluidos ficam muito evidentes e atraem outras criaturas, o padrão vibratório cai demais e os superiores não conseguem evitar tudo o que se instala. É bem complicado para os protetores e cuidadores do lar. Dá até dó.

Eu fazia o meu trabalho de obsessor como vocês dizem e não tinha tanto trabalho porque o cara era fascinado pela vizinha, então, eu só dava um empurrãozinho. Eu sugeria para ele umas lembranças e ele começava. Que louco! Mas eu fui me cansando daquela vida. Fui vendo aquela esposa tão dedicada e por uns instantes eu me lembrei da minha mãe. Semelhante atrai semelhante mesmo.

Hoje eu sei que mesmo distantes os bons me influenciaram e lembrei da mãe. A esposa dele nunca ganhou o devido respeito, nem o afeto que merecia como a minha mãe, mas isso faz parte dos reajustes delas. Cada qual escolhe o cônjuge que está determinado para sua evolução, para sua depuração não é assim?

Só que quando eu lembrei da mãe foi com tanta saudade e com tanto pesar por tudo o que ela viveu. Eu fiquei com saudade e desejei ver minha mãe e ela apareceu toda iluminada, tão jovem. Minha mãe não ligou pro meu estado.

Eu estava sujo e tinha feridas pelo corpo, mesmo assim ela me abraçou e cuidou de mim ali mesmo. Eu saí de lá e vim pra cá com minha mãe. Eu sou muito agradecido. Soube que a família continua do mesmo jeito. O esposo já atraiu outro desafeto e sofrem as mesmas torturas que eles mesmos criaram.

Sem fé, sem virtude, sem controle dos pensamentos e das emoções. Eu estou tentando evoluir e conseguirei. Agradecido estou.
Bento
02/04/17

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Eu não fui posta do lado dele. Simplesmente fui atraída pelo fluido que ele emanou. Um cheiro bom de cigarro que me envolveu. Nossa! Parece que eu senti até o gosto do cigarro. Assim começou nossa relação e depois que eu cheguei perto dele o consumo aumentou tanto que logo, ele precisou de coisas mais fortes porque nós tínhamos vontade. Eu ficava bem pertinho e quando ele fumava, eu conseguia puxar um pouco pra mim. É bom saciar a vontade, mas logo vem mais vontade e entra num círculo vicioso literalmente.

O problema é que o cara era muito legal. Gente boa mesmo. Sabe quando o único defeito da pessoa é fazer mal para si mesmo. Então... Eu passei a olhar pra ele diferente. Uns pensamentos otimistas de quem quer salvar o mundo só que sem oportunidade, sem ajuda de ninguém. O mundo é muito louco. Dá um 360 de repente e você se vê envolvida num sentimento que nem sabia que podia existir. Eu me apaixonei por um encarnado. Pode?

Só queria curtir meu vício e me vi loucamente apaixonada por ele. Eu nunca desejaria que ele sofresse e percebi que o vício estava deixando ele muito mal. Foi atropelado e jogado na rua pela família. Fiquei desesperada porque eu tava acostumada com o vazio, perambulando por aí, com o aspecto de morta de fome, mas todo mundo igual, ninguém nem vê. Um bando de morto tipo zumbi vagando por aí esbarrando em encarnado que também tá grogue.

Eu olhei pra ele e vi que não era vida prum cara tão lindo e inteligente. Eu precisava fazer alguma coisa e me esforcei tanto pra gente não consumir. Não podia parar de uma vez porque a gente não ia aguentar, mas fomos reduzindo e eu fui sugestionando a arrumar um emprego, pedir abrigo pro amigo. Era fácil ver as circunstâncias favoráveis porque a gente lê mente e consegue desvendar as possibilidades.

Ele foi se reerguendo e eu, incrivelmente fui melhorando do meu aspecto. Eu me sentia melhor e não queria mais fumar. Pra mim só importava fazer o bem pra ele. Mudei tanto que passei a ver os bons por toda parte e eles sorriam pra mim, cumprimentavam. As dores foram passando e um dia eu vi o amigo dele. O protetor estava lá o tempo todo e me falou que eu havia triunfado. Era muito raro alguém fazer o que eu fiz. Eu estava pronta para avançar. Eu fui conduzida para este local onde estou. Não queria me afastar dele, mas o protetor me convenceu que assim, um dia poderia encontrá-lo em outra fase de nossas vidas. Eu o amo tanto. E sinto tanta saudade. Deus permite que a gente interaja para que o amor nasça e ele pode nascer de qualquer forma é só a gente querer. Atenciosamente.
Simone

02/04/17


Foto cedida por - Magno Herrera Fotografias


“A vida da gente é uma surpresa e, por isso, é tão especial viver”

Nem sempre conseguimos explicar as circunstâncias que nos afastam daqueles que amamos. Eu e minha filha nos distanciamos sem perceber. De repente éramos desconhecidas no lar. Ela foi embora, decidiu que iria morar com um homem que nunca me trouxe a menor segurança. Sabia que ela iria sofrer com ele. Eu disse tantas vezes, mas ela nunca me ouviu.

Eu sempre me perguntei por que é que os filhos se recusam a ouvir os pais. Ainda não sei a resposta, mas sei que somos todos irmãos e alguns de nós, devem descobrir as coisas, por si próprios. Não adianta tentar mostrar o caminho, tentar abrir os olhos. As pessoas tropeçam, caem e podem se erguer se quiserem, basta força de vontade. Minha filha partiu e eu soube naquele dia que nunca mais seria tranquila a minha vida.

Eu tive mais filhos, mas os outros nunca me preocuparam como ela. Estranho: parecia minha louca obsessão. Eu nem dormia direito pensando nela. A Silvinha sofreu bastante e eu também. Tentei me aproximar em vão. Fui a casa dela e soube pelos vizinhos que ela estava se prostituindo para bancar o vício do cafajeste. Quanta tristeza... Eu nunca imaginei que seria tão terrível. Pensar que aquele bebê lindo que amamentei estava passando por tanto tormento e eu sem fazer nada. Fui até a casa dela de novo e encontrei-os em casa. Eu gritei, briguei e acabei sendo agredida por ele. Que horror! Eu me senti humilhada e ainda mais porque a Silvia não foi embora comigo, disse que ali ainda era muito melhor que em nossa casa. Onde será que eu errei – pensava. Não compreendi por que ela achava nossa casa tão ruim.

O fato é que nós recebemos por filhos aqueles que foram algozes no passado e vice-versa. Nem sempre é uma relação fácil e carinhosa, cheia de amor e zelo. Ela foi embora e eu nunca mais vi minha filha. Terminei meus dias com tanto pesar sem saber o que foi feito dela. Chegando aqui no plano espiritual tive a elucidação de todo o nosso comprometimento e entendi porque ela me culpava tanto.

Questões do passado que abriram uma cratera em seu coração. Era como se ela preferisse algo terrível que fosse a ficar ao meu lado, mas o amor de mãe é tão forte que pra mim só o que importava era vê-la feliz e foi aí que eu sofri. Resgatei, mas continuava preocupada. Tive permissão para visitá-la e eu a vi tão feliz com um novo companheiro, um homem bom que a tratou bem como eu desejava. Eu fiquei confortada e agradecida por saber que longe de mim ela foi feliz. Ainda me culpo porque não consegui fazê-la me amar. Aguardo pela chance que foi ofertada. Eu serei sua netinha e estou esperançosa. Rezem por nós. Com gratidão.
Lúcia Helena
08/04/17

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"As intuições servem para nos nortear. Elas são a mais pura expressão da sensibilidade em nós"


Possibilidade que nos liga ao Alto se estivermos bem conosco e com nossos semelhantes. Nós éramos tão felizes e eu achei que seríamos ainda mais quando descobri que estava grávida do nosso primogênito. 

O Marco Aurélio foi um homem maravilhoso e eu me sentia a mulher mais majestosa ao seu lado. Até que ele recebeu uma promoção no trabalho e precisava partir para ficar um tempo em outra cidade. Eu senti um frio na barriga, coisa ruim de sentir e desejei que fosse um equívoco. Eu não comentei nada, mas meu marido percebeu minha insegurança. Ele queria tanto aquela promoção, dizia que as coisas deviam melhorar para termos nossos filhos com tranquilidade. Pra mim tudo estava bom e se eu tivesse que trabalhar para ficarmos bem eu faria isso. Só queria o Marco comigo.

Eu ainda não me esqueço do dia em que ele partiu. No aeroporto acenou e eu chorei. Corri atrás dele e pedi que não fosse embora porque eu não iria aguentar ficar sozinha. No fundo a gente tem noção das coisas que vão acontecer.
Ele nunca mais voltou.
Foi um acidente – era o que todos diziam.
Vontade de Deus – eles falavam.
Deus que me perdoe, mas eu pensei tanto porque Deus desejaria que ele fosse afastado de mim naquela fase da minha vida. Eu estava sozinha com nosso filho e eu não queria mais viver. Foi muito difícil. Eu ainda tentei me reerguer por causa do nosso filho, mas o pior aconteceu. Eu perdi meu bebê. E quis morrer depois disso. Existe gente que sofre. Sofre de uma dor irremediável e tem gente que reclama por tão pouco.

Eu passei a ver a vida de outra forma. Meu sorriso sumiu e eu queria que todos sumissem de perto de mim. Não suportava falsidade e nem o frágil lado sofrível das pessoas.
Pessoas que sofrem por dívidas, falta de emprego. Me dava uma raiva.
Vão à luta povo – eu pensava, mas você fala a verdade e ofende. Que dó! E eu?

Nem queria ver ninguém. Foi um tormento porque quando a gente quer morrer, não morre. Eu tentei tomar veneno pra morrer e só o que eu consegui foi um dia inteiro no hospital. Tudo é pela vontade divina. Eu conheci uma criança que fazia tratamento para câncer e ela foi tão doce, tão meiga e tinha tanta esperança que eu me senti atraída por ela. Saí de lá e não consegui parar de pensar na menina. Fui visitar tantas vezes que nos tornamos amigas e eu fui voltando a sorrir.

Ela desencarnou numa manhã tão fria, mas me ensinou coisas tão valiosas que me fizeram dar um rumo diferente pra vida sofrida. Me tornei médica e dediquei toda a minha vida a cuidar de pacientes com câncer. Eu fui muito abençoada. Tive contato com pessoas tão cheias de vida e entusiasmo. Eu só recebi, muito mais do que doei. Pessoas maravilhosas. A vida da gente é uma surpresa e, por isso, é tão especial viver.
Graças a Deus.
Michele
08/04/17

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“A felicidade não é deste mundo, mas isso não quer dizer que nós devemos nos plantar na tristeza”

Eu ficava olhando aquelas samambaias e pensava: o que eu faço agora? A vida não podia ser só isso. Limpar, lavar e passar. No outro dia tudo de novo. Eu não menosprezo o serviço não. Ao contrário, ele é menosprezado por si só. Ninguém percebe o limpo, só o sujo. Estranho! Cinco filhos, um marido trabalhador que nem me via. E eu engordando. Uma vida tão banal. Nunca faltou nada pra gente. Eu nem podia reclamar. Dá pra entender?

Uma vida que não tem nada de mais. E eu queria mais. Eu queria que fosse cheia de paixão. Envolvimento. Eu queria sentir as emoções. Eu não sentia mais emoções e percebi que as pessoas também não se emocionavam comigo. Existe muita gente assim. Eu fui ver o mar e naquele dia dei um basta. Não voltei pra casa. Resolvi ver o mundo e foi a maior loucura que eu fiz na minha vida porque eu fiquei naquela cidade contrariada por meus familiares. Eu fiquei numa pensão e arrumei emprego de faxineira porque era só o que eu sabia fazer. Trabalhei tanto que meu corpo doía todo e quando fui dormir eu estava me sentindo feliz. Nem sei explicar. Acho que precisava daquela aventura.

Eu fiquei um mês fora e quando voltei pra minha casa tudo estava no lugar. Tudo limpo e arrumado. Como se eu não tivesse feito a menor falta. Eu não fiquei triste, ao contrário, tomei uma decisão. Viver minha vida. Me separei, deixei meus filhos adultos e saí tranquila para morar sozinha e cuidar de mim. Emagreci de tanto trabalhar e porque estava me sentindo feliz. Mantive contato com eles e até com meu ex. Nós nunca nos relacionamos tão bem, nem quando casados. Minha loucura foi boa pra mim. Não devia ter me acomodado por tanto tempo. A felicidade não é deste mundo, mas isso não quer dizer que nós devemos nos plantar na tristeza.

Eu não era a samambaia, não tinha raízes, por isso, parti para uma fase um pouco melhor onde me senti realizada, independente e acho que foi bom pra todos nós. Atenciosamente.
Solange
08/04/17

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“Se as pessoas pensassem mais umas nas outras acho que a vida podia ser um pouco melhor”

Era o dia todo trabalhando com aquela britadeira. Doía tudo no final do dia. Trabalho árduo. Eu sabia que nunca seria diferente. Todo mundo tem sonho. Ninguém falou pra não sonhar. A gente sonha até acordado pra fugir da realidade difícil. Pro tempo passar rápido. Sei lá quando chegava em casa tinha tanta criança com fome. Trabalhava duro e o dinheiro não dava pra nada. Levou tempo pra descobrir que minha mulher gastava tanto dinheiro com bobagens.

Eu pensei que talvez se ela se esmerasse um pouco eu não precisasse trabalhar tanto, mas ela justificava que não podia trabalhar por causa das crianças. Tudo bem, mas a danada levantava meio dia. Fala sério, eu já tava cansado de trabalhar. Se as pessoas pensassem mais umas nas outras acho que a vida podia ser um pouco melhor. Devia começar no lar. E é difícil entender né? Tem gente que nem no grito entende.

Falar pra fazer reforma íntima, pra se esforçar e nem assim. Cuidar dos filhos, dar atenção pras crianças e ainda fica no miojo. Só o mais fácil.

Eu amava aquela mulher do fundo do coração. Desejei dar uma vida de rainha pra ela, mas pra mim nada. Eu não fugi do meu compromisso, nunca seria um pai de sumir e deixá-los na fome, mas sem querer eles já estavam passando por isso. Num dia qualquer eu desencarnei. Vítima de um atropelamento. Não consegui ir para um local adequado pro meu refazimento porque fiquei preocupado com meus filhos. A louca da minha esposa não queria saber de nada e não adiantava eu berrar no ouvido dela, ela não levantava da cama pra nada.

As crianças na rua, descalças. Eu chorei. Como podia ficar tão pior? Esperei ela dormir, fiquei bem perto dela porque achei que poderia falar no ouvido dela e ela iria me escutar, sei lá. O incrível aconteceu: ela saiu do corpo e levou um susto de me ver, eu tava tão machucado, com dor, fome... Falei com ela e pedi, implorei pra ela cuidar dos nossos filhos. Ela me abraçou e pediu perdão. Ela me pediu pra ficar, mas eu não podia. Apareceu um senhor educado e conversou com a gente. Disse que eu tinha que partir, mas era importante pra gente esta última conversa. Ela tinha que tomar uma iniciativa na vida.

Ela não iria se lembrar de tudo, mas iria acordar com uma vaga lembrança e eu iria para o local de tratamento, me cuidar porque havia chegado o meu momento. Eu fui e soube que ela mudou muito depois disso. Hoje, depois de dez anos estão todos bem. Minha esposa trabalha tanto. É uma mulher tão decente e carinhosa com nossos filhos que estão crescidinhos e estudam. Alguns já tem o primeiro emprego. Rapazes de convicção querem ajudar a mãe. Lembram de quando eu trabalhava no pesado.

Agradeço muito a Deus que encaminhou minha família pra eu poder seguir em paz. Obrigada a todos. Fiquem com Deus.
Gledison
08/04/17


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

Nenhuma palavra se perderá no anonimato

Eu fiquei preso por vinte anos e aguardei aquele julgamento apreensivo. Nunca havia me questionado se gostava da vida, mas quando se vê a morte de perto, passamos a estimá-la. Eu sempre soube dos meus defeitos e também não negava a minha crueldade. Eu sentia dentro de mim uma revolta que fazia mal a todos que se aproximavam de mim e isso gerou tantos problemas irremediáveis que não teve jeito. Eu tinha mesmo que ser mantido longe do convívio das pessoas.

Quando o doente não pode conviver em sociedade, ele deve ser encarcerado. Este foi o meu caso. É inútil levar formas pensamentos a vocês. Não vem ao caso noticiar o que fiz. Basta que saibam que fui cruel e eu me arrependo muito de tudo que cometi. O pior juiz é a própria consciência. Deus permite nossos erros porque aprendemos muito com todos eles. Nós podemos evoluir até com os erros. Basta querer e eu quis. O pior ser, o mais terrível de todos, um dia compreende a sua necessidade de reformar-se. O homem não prevalecerá no mal para todo sempre. No meu caso quando esperei pela pena de morte compreendi o quanto era bom viver. Eu não tinha ninguém a minha espera. Ninguém desejaria estar no meu lugar porque eu não tive ninguém que me quisesse bem, mas no íntimo eu também queria ser amado. Eu queria coisas simples, afeto e atenção. Isso não justifica meus abusos no mal, mas me fez compreender que tudo poderia ser diferente e eu comecei a imaginar pra fugir da realidade que me aguardava.

Eu imaginei tanto que me assegurei que se tivesse outra oportunidade não erraria mais. Nos meus sonhos confusos sempre via a imagem de uma linda mulher que me questionava sobre Jesus. Eu não sabia nada sobre Jesus. Pode parecer estranho, mas um cara como eu não tinha tempo para o Nazareno. Só que naquelas circunstâncias me vi ligado a ele e passei a orar. Eu digo que me transformei naquela cela.

Alguns dias antes da minha execução, eu me vi em paz. Era como se Jesus tivesse me acolhido e eu me sentisse seguro do seu perdão. Eu sabia que teria outra chance e eu também sabia que aquela tortura mental já era o meu calvário. Lembrar os rostos e de todo o meu comportamento. O arrependimento de quem faz maldade fere imensamente. É tão importante se colocar no lugar do outro porque só assim nós podemos evitar vários deslizes que antecedem um crime. Eu fui executado e não temi porque desejava me entregar ao Senhor.

Eu desencarnei sem saber a verdade sobre a espiritualidade, mas crente de que Deus me acolheria como Seu filho leviano que desejava melhorar e não errar mais. Fui resgatado e recebi o tratamento necessário para curar minhas mazelas físicas e morais. Hoje, depois de tantas décadas, eu sou grato por tudo. Ninguém é menosprezado por Deus. Ninguém é marginalizado por Deus. Deus não discrimina Seus filhos e permite que voltemos ao Seu convívio. É uma benção. Eu creio que tudo pode ser modificado com fé, em paz.

Hoje trabalho na seara do mestre resgatando no umbral. Eu fui indicado para a tarefa por conta do meu histórico. Impressionante como tudo se aproveita. Todas as experiências são aproveitadas para o bem. Como sou grato.
Ezequiel
15/04/17

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Eu não queria ver ninguém e aquele cara apareceu com um sorriso que me irritou na hora. Ele trouxe uma bíblia e pediu pra ler uma passagem. Meu sangue subiu, senti ferver e achei que não fosse me controlar.
Quem ele pensava que era? Eles sempre se acham melhores, merecedores de atenção e respeitos, eu pensei. Ele leu e eu nem prestei atenção porque estava com raiva do jeito dele. Do jeito que eu estava, fiquei. Ele leu e foi embora. Eu dei um viva quando ele se foi, mas não parou aí. O cara voltou tantas vezes que eu perdi as contas. Tinha gente que gostava, mas eu? Pra mim aquilo era uma afronta. Ler bíblia e ele não sabia que eu era ateu?

Desaforo... Mas, a gente tá preso tem que suportar de tudo. Eu aguentei até o dia que eu vi uma luz na cabeça dele. O cara tinha uma face estranha. Eu achei que era alguma coisa que tinham armado pra mim. Tava vendo coisas, mas não. Era o cara mesmo. Eu nunca tinha reparado que quando ele lia, ele se transformava e ficava diferente. Eu perguntei por que ele ficava diferente e ele falou que era Jesus. Eu não entendi e ele me disse que se sentia transformado numa pessoa boa e digna quando falava em nome de Jesus. Ele sentia uma força estranha. Estava tomado pelas energias de Jesus e ele achava tão bom servir Jesus que fazia satisfeito e confiante. Eu achei aquilo bonito e passei a considerar o caro muito bem.

Eu respeitei aquele trabalho de servir Jesus e nós passamos a conversar sobre a obra do Mestre Jesus. Foi indo eu também passei a pregar na cadeia. Eu falava e sentia a força de Jesus em mim e acredito que todo mundo que trabalha pra Jesus de forma desinteressada, por amor, sente a mesma coisa. A força de Jesus me salvou e quando eu saí da cadeia por bom comportamento, apesar de ter muita dificuldade pra me reerguer na sociedade, eu tive fé e não desisti frente às dificuldades. Não voltei pro crime.

Eu fiz trabalhos de toda espécie e continuei pregando. Constitui família e me tornei um cristão arrependido dos meus pecados. Eu pude ter uma vida muito boa graças a Deus e me sinto tão aliviado por tudo o que me ocorreu. Hoje eu tenho certeza das forças invisíveis porque deste lado tudo é real. Tudo faz sentido agora. Eu sei que o importante é o esforço, o bem e Jesus que nos mostra o caminho, a verdade e a verdadeira vida. Que Deus abençoe a todos.
Isaac
15/04/17

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Eu cometi pequenos furtos desde a infância. Primeiro era pra não passar fome, mas depois se tornou tão fácil que me tornei esperta em praticar roubos altos. Os homens são os mais fáceis de enganar porque eles nunca desconfiam de uma linda mulher. Tudo ia muito bem até que armaram pra mim. O mesmo homem que se sentiu vitimado me colocou na prisão. Fim de carreira de golpista. Eu era esperta, mas não tinha ninguém que pudesse me desejar solta, então, fui ficando por lá. Logo no início, briga. Eu fiquei toda mal acabada. Machucada mesmo. A revolta tomou conta de mim. Desejei morrer porque não tinha mais nada pra me esperar. Eu não queria nada e sabia que não tinha futuro, então ajeitei um esquema e preparei tudo. Consegui!

Morri, mas eu não contava que a morte não acabava com tudo. Quanta derrota, morrer e continuar na cadeia num plano paralelo. Umbral? Sim, na cadeia. Tudo muito parecido com a diferença que nunca vai existir trabalhadores que tentam executar o serviço adequado. Eu fui torturada de todas as formas que puderem imaginar. Muito sofrimento... Até que num momento qualquer quando eu já estava cansada pra raciocinar eu desejei que tudo tivesse fim. Eu só queria que acabasse, mas não pensava muita coisa. Eu vi um senhor com uma roupa marrom, capuz. Ele trouxe água e eu tava morrendo de sede. Ele falou: agora é hora de pedir ajuda pra Deus, pra Jesus, você consegue? Eu não entendi nada. Que coisa louca aquele homem falando de Deus, mas eu pedi assim mesmo. Eu pedi pra Deus me ajudar do fundo do coração. Minha voz quase não saia. Eu pensei em Jesus com tanta dificuldade, mas lembrei do filme que assisti com minha mãe. Aquela cena do filme ficou tão viva na minha mente e quando percebi tanto tempo tinha se passado e eu não estava mais na cela. Estava diferente, bem cuidada e o senhor cuidando de mim. Ele me falou que o filme de Jesus é importante porque faz as pessoas lembrarem dele e as pessoas se esquecem de Jesus porque priorizam tantas coisas. As cenas de Jesus salvam a mente de tantos e tantos todos os dias. Só de lembrar de Jesus a gente se eleva. A gente lembra um pouco de amor quando pensa de Jesus e isso deixa a gente um pouquinho melhor. Que bom seria pensar em Jesus todo dia.

Eu estou tentando limpar toda minha mente dos tempos que passei naquele lugar e penso no Mestre. Eu sei que vou conseguir.
Luana
15/04/17

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Trabalhei naquele lugar por trinta anos. A gente tem que ser durão pra trabalhar com marginais. Eu pensava que aquele trabalho era ruim, mas a minha família merecia o meu esforço. Eu tinha três filhos lindos e uma esposa maravilhosa. Todo dia saía desejando voltar pra casa, mas no fundo morria de medo de não voltar. Acontece de tudo na detenção. A gente convive com profissional ruim que se vende por qualquer coisa e marginal que jura você de morte por bobagem. Dá frio na barriga, medo mesmo, mas a cara é de quem não liga. Durão! Eu tinha pesadelo, chorava escondido. Pedi pra Deus me abençoar pra ter outro destino, mas emprego tava tão difícil de arrumar.

A Claudinha fazia salgadinho, bolo, lavava roupa pra fora, minha esposa nunca foi manhosa, sempre ajudou, mas a gente queria a casinha da gente e eu tinha que suportar. Fui levando até que teve rebelião. Naquele dia eu senti que não ia voltar pra casa. No fundo era como se, de algum jeito, sempre soubesse que não iria acabar bem, por causa disso, sentia tanto medo. Eu não me corompi, senão, tinha votado pra casa. Eu não me arrependo porque assim, consegui o amparo imediato, quase não sofri, mas quando percebi que havia feito a passagem que dor que me deu. Havia passado dois meses quando acordei no hospital na colônia espiritual. Minha tia estava comigo pra me tranquilizar e eu chorei de tanta tristeza só de pensar que minha família tava lá sozinha aguentando as dificuldades. Eu queria ter feito mais por eles, mas entendi quando me explicaram que os resgates foram necessários.

Um dia como fora da lei, no outro como funcionário na detenção. A justiça é perfeita. A justiça dos homens pode ser falha, mas a de Deus... Nada foge da lei de Deus, por isso, tomar cuidado pra não infringir a lei porque todos nós pagamos tudo o que estamos devendo.

Eu paguei e sou grato porque, apesar de tudo, sei que Deus ainda é misericordioso para aliviar a nossa sentença. Minha família recebeu todo o amparo da força maior. A Claudinha arrumou emprego numa casa de família e conseguiu com toda dignidade criar nossos filhinhos que se tornaram adultos responsáveis e leais. Eu sou feliz por tudo o que obtive de Deus. Acho que nem merecia tanto.
Antônio José
15/04/17   




Foto cedida por Mago Herrera Fotografias

“FANTASIA ACHAR QUE TUDO NO UNIVERSO GIRA EM TORNO DE NÓS”

Confesso que durante todo o tempo em que estive encarnado só o que me motivou foi a fonte de informação. Era imprescindível que eu pudesse amontoar uma tonelada de informações por um motivo que nem eu mesmo poderia explicar.

Neste contexto posso afirmar que tive muita sorte porque nasci numa família privilegiada por bens materiais que me possibilitaram frequentar as melhores escolas do país e também do exterior e, desta forma, eu consegui adquirir todas as informações possíveis para o meu coeficiente de inteligência.

No final era só isso. Vocês haverão de se questionarem e daí. E eu também, quando me aproximei do finalmente me fiz o mesmo questionamento. Vivi bastante. O necessário para indagar sempre mais e quanto mais eu sabia, mais me via desprovido das informações necessárias.

Estranho, mas o avanço intelectual nos traz a certeza de que não somos nada e nossos sofismas são tão simples. Eu estive inclinado a deixar meu corpo com a mais absoluta certeza de que havia desperdiçado uma vida com bobagens. Estive empenhado em me tornar um homem letrado e convencido de todo o meu saber e isso só me fez ter a certeza de que são conjecturas vãs.

Quantas expectativas experimentei na frustração de um saber que nunca tive. Apenas posso afirmar que aquele que sente sabe mais do que qualquer um. O sentir te coloca a par de todas as informações necessárias para avançar pelos sentidos e isso diz mais que qualquer coisa porque é tudo o que realmente importa. Evoluir nas sensações.

Durante milhões de anos o homem evoluiu estimulado por seus instintos e cometeu atos terríveis por isso. Como um animal duelava para ter satisfações e Deus permitiu que tudo ocorresse para que pudéssemos nos certificar de que este não era o melhor caminho, mas as sensações fizeram de nós algo mais do que meros animais quando aliamos a isso um ser pensante, mas do que isso me fez melhor do que os outros quando anulei os meus sentidos para me dedicar apenas ao avanço cerebral?

Eu quero mais - dizia eu no final e fiquei tão infeliz com minhas escolhas equivocadas que desejei não ser eu mesmo e aniquilar o homem que havia em mim. Desejei uma forma mais simples de vida que pudesse eliminar suas conjecturas para sentir em toda a extensão do ser e nada poderia ser mais perturbador quando me vi reduzir o meu aspecto.

Já desencarnado e no escuro de uma existência eu reduzi em forma e tamanho até me tornar um pequeno grão de nada.

Muitos denominariam uma ameba. Fiquei desta forma centenas de anos. Um ser que latejava uma emoção tão simples, um vértice de pulso neurológico que não me permitia pensar mais nada e eu quase me aniquilei se fosse possível a criatura pôr fim no seu próprio ser, mas o Criador bendito colocou diante de mim uma outra criatura que me fez sentir e voltar a razão cadenciada após décadas de sofrimento real onde eu mesmo fui indigno com tudo o que havia conquistado.

Sobrevivi e retornei pouco a pouco um lampejo de sanidade graças ao amor daquela afortunada. Minha doce Amália emitia por mim radiações tão densas de afeto que fizeram voltar a forma humana depois de um intenso tratamento e hoje soube que retornarei à carne num breve instante.

Necessitarei de tantos abortos para concretizar uma nova reencarnação. Eu estou agradecido por tudo, envergonhado por meu pseudosaber e peço que todas aquelas que fizerem parte deste regresso me abençoem com seu amor de mãe e me perdoem por não poder ficar mais do que algumas semanas, alguns meses, até que alguém possa finalmente me segurar no colo. Graças a Deus.
JÚLIO
22/04/17

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Todas as vezes que fracassamos é triste. Não importa aqui deixar a causa morte porque ela realmente não existe. Isso é alienação. Fantasia achar que tudo no Universo gira em torno de nós.

Somos alguns dos muitos habitantes de todas as galáxias. Retornar e perceber-se equivocado é doloroso.

Toda a essência que trazemos em nós é necessária para perceber o quanto somos responsabilizados por nossas escolhas em relação a nós e a todos aqueles que dependem de nós. Os que estão a nossa volta e são afetados por nossas escolhas. Ter convicção de que nossas ações são pertinentes ao nosso futuro na verdadeira morada que é a espiritual porque esta realidade que acreditam existir não é a única. Isso é um pequeno período da vida de vocês.

Eu acordei mais uma vez no mundo espiritual arrependida de minhas escolhas porque vi dois homens: um que me acompanhou por inúmeras existências e esteve sempre ao meu lado. Ele deveria estar novamente comigo e me proporcionar uma vida tão cheia de percalços, mas com o mais vivo amor. Nós conseguiríamos se quiséssemos realmente.

O outro homem me envolveu num mundo de facilidades. Mundo que até constrange com tamanha beleza e ostentação. Fui coberta por joias e regalias que nem mesmo sonhava existir e num mundo cheio de materialidades eu me desviei do projeto original e desenhei pra mim um mundo de perdição.

Poderia ter me empenhado e utilizado os bens que a vida me colocou nas mãos para retornar para o propósito edificante, mas não foi isso que aconteceu. Eu só percebi tudo isso aqui. Chorei tanto depois que peregrinei no vale das sombras. Augusto me socorreu e conseguiu sem minha ajuda vivenciar um novo projeto que se desenhou no momento oportuno, eu não.

Hoje sei que o dinheiro pode beneficiar muito aqueles que estão inclinados em produzir o bem. Eu terei nova chance como todos a tem. Serei novamente rica e estou estudando com fervor para não fraquejar. Tenho convicção de que posso conseguir. Deus vai me abençoar. Ele só coloca em nosso caminho as oportunidades que podemos usar a nosso favor. Agradecida estou.
LENITA
22/04/17

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Eram muitos ao meu lado. Eu os apanhava na rua porque não suportava imaginar que sofriam. Eu também havia passado fome. Eu também vivi sozinha e, apesar de não ter muitas condições financeiras, eu me dedicava para comprar o alimento que necessitavam. Tudo foi bem difícil, mas quando me denunciaram foi ainda pior.

Eu criava vinte e cinco animais em minha casa e o espaço era bem reduzido. Os vizinhos reclamavam porque eu saia para trabalhar e deixava todos eles latindo e fazendo barulhos em casa. O cheiro era forte e eu tentava manter tudo em ordem, mas não conseguia. Eles iam me tirar todos porque não estava certo o que eu estava fazendo e quando todos souberam as condições em que vivíamos a notícia se alastrou.

Um homem soube do que estávamos passando e como ele residia numa fazenda me perguntou se eu não queria doá-los, mas eu não queria me desfazer dos meus animais. Eu gostava de todos e estava mais acostumada com eles do que com as pessoas. Me desculpem a franqueza, mas naquelas circunstâncias fui levada a crer que os animais eram mais amorosos e leais do que qualquer ser humano.

Eu nunca havia sido tratada com um gesto de carinho até então, apenas pelos animais que me observavam com imenso amor e afeição. Aquele senhor barrigudinho foi até minha casa e não se incomodou com o cheiro forte. Após se certificar de que eu não iria me desfazer deles, ele me convidou para trabalhar na fazenda e cuidar eu mesma dos meus animais. Eu aceitei e nos mudamos porque eu só tinha a eles e eles a mim. Nós éramos uma família. Só quem ama os animais pra saber o quanto amamos.

Fiquei trabalhando cinco anos na fazenda e me apaixonei por muitos outros animais, cavalos, galinhas e até porquinhos. Vendo a maneira como o senhor Antônio os tratava eu comecei a vê-lo de outra forma e percebi que eu também poderia amar um homem. Deus sabe de nossas necessidades e sempre nos coloca nos lugares certos se nos permitimos receber ajuda. Eu o amei tanto quanto ele me amou e oficializamos nossa relação após sete anos. O Antônio me mostrou o amor e pude ser mãe de uma linda menina. Aí sim eu pude sentir o amor materno e em nada se parecia com tudo o que eu havia sentido até então.

Amor transcendental, que salva e redime. Eu sou muito grata por tudo o que vivi e peço a Deus que abençoe todas as Suas criaturas.
ALZIRA
22/04/17

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Comecei roubando tênis. Sei lá dá uma louca e você só quer satisfazer suas vontades, manja? Eu olhava nos olhos deles e pensava que eles deviam ter muitos em casa, nem ligava pro tênis que iam perder porque tinham vários. Eu pegava e saia rindo da cara deles que deram mole, mas fui viciando de roubar e percebi que era muito fácil ter assim, não precisava se matar no trampo pra ter as coisas, era só tomar.

Mas um dia a coisa ficou muito feia pro meu lado porque eu vi uma moça com um camarada e eu quis tomar dele uma jaqueta muito louca, pensei que a Lurdinha – minha irmã - iria querer a bolsa da mina. Eu tentei pegar dela, mas a mal criada não me entregava porque dizia que ela trabalhou muito pra comprar e que um nóia como eu não ia levar na manha, não. Que mina louca, véio. Eu nunca desejei fazer mal pra ela, então eu larguei tudo e fui embora. Nem quis a jaqueta. Fiquei pensando por que aquela mina tava me falando aquilo e se valia tudo isso uma bolsa. A mina maluca não pensou que podia morrer? Véio, não sei fiquei indignado, mas a mina me fez refletir que tem gente que rala a beça pra ter o que tem e eu me sentia no direito de tirar na folga, moro? Isso deu um revertério na minha cabeça e eu fiquei ligado que tinha uma explicação pra tudo isso, talvez eu tivesse que mudar porque não podia continuar daquele jeito. Mas o que eu podia fazer se a vida pra mim só tinha isso mesmo?

Muito difícil mudar de vida quando a gente só conhece isso. Não vou culpar ninguém, nem falar de discriminação porque tem gente que discrimina, mas também tem quem ajuda.

Eu não soube escolher e me deixei levar por uma vida sem futuro. Pelo menos no final eu pensei um pouco e tive um fiapo de consciência de certo e errado. Tem gente que é assim tão ignorante, perde tanto tempo, mas se serve pra enxergar o erro e pensar que talvez, podia fazer o certo, já tá bom né?

Foi assim comigo. Saí num dia pra dar uma volta e pensar na vida e me apontaram na rua. Eu nem tinha feito nada, mas no meio de um assalto o criminoso acabou sendo eu. Sério? Eu cometi tantos delitos e no dia que não fiz nada levei um teco. Beleza! Não tem nem do que reclamar, falei pro doutor. Fui parar na zona dos criminosos e maluco faz noção do que é sofrer, então, vai pra lá.

Conviver com os justiceiros meu chapa, os caras são torturantes (gargalhada), mas tudo passa só ter paciência no meio da tempestade que a sua hora chega. Ninguém sofre pra sempre, parsa. Não sei quanto tempo porque o tempo é um negócio muito louco deste lado, eu ainda tenho que aprender. Tanta coisa pra aprender... Tô no meio do tratamento. Sem previsão de retorno na carne. O doutor tá limpando minha mente das torturas e eu tô aprendendo umas aulas de cidadania e legalidade.

Vocês ficariam espantados de todas as noções que a gente pode ter aqui. Eu só agradeço as coisas que tão dando certo pra mim agora. Aqui é muito lindo. Amém. Todo mundo pode ser feliz.
GREGÓRIO
22/04/17

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