Cartas aos "Pais & Filhos" (4)



                  "Pais & Filhos"


“O PAI DEVE SER FORTE, DECIDIDO” 

Eu fiz tudo o que pude. Foi tudo por eles e não me arrependo de nada que fiz. Construí uma família linda. Me casei com uma mulher de caráter, gentil e trabalhadora que me ajudou a ter filhos lindos e a construir um patrimônio considerável. As crianças cresciam faceiras, assim como nossos bens.

Quando os maiores alcançaram a puberdade, minha doce esposa me deixou porque foi violentamente tirada de nós por conta de um acidente. Eu me esforcei para continuar sem ela, me esforcei para confortar meus filhos. Três meninos e duas pequenas. Eu chorei escondido e me apeguei forte com Deus para não fraquejar. Segui os propósitos da paternidade e vivia para isso.

Nunca imaginei que um dia iria sofrer as angústias de um fracasso moral como pai deles. Eu me enganei. Pensei que com minhas posses poderia suprir a carência da mãe. Penso que a falta que ela fez influenciou nos deslizes que cometeram. Tantas vezes notei ímpetos de cafajestes, mas fiquei penalizado porque não tinham os conselhos afetuosos da mãe amorosa. Eu me enganei! Eles tiveram o pai sempre perto e eu não soube ter pulso firme. Eu me enganei! Passei a mão na cabeça e evitei contrariá-los e o que eu recebi?

Eu fui envelhecendo e percebi que não tinha realizado a missão porque eram pessoas frias e competitivas. Todos queriam amontoar bens e se aproveitar da ingenuidade dos demais, de todos os que os cercavam. Pessoas vazias. Quanto pode sofrer um pai quando percebe os seus enganos? Os seus erros?

Eu ainda sofro e muito. Eu me culpo, não realizei o que estava nos meus planos. O pai deve ser forte, decidido. Deve estabelecer os critérios de uma postura que force a pessoa a ser correta e a ser decente. O pai deve se comprometer com a verdade e não ser omisso ou negligente. Eu fui negligente porque eu fingi que não vi muitas coisas. Eu falhei!

Perto do desencarne, já fraco e esmorecido eu pude ser bem tratado pelos serviçais que me deram todos os cuidados que necessitava e ainda, um pouco de carinho porque estavam compadecidos da minha solidão. Não houve um filho que pudesse dispensar alguns minutos preciosos para me ver ou me ouvir. Eles me abandonaram pelas noitadas, pelos prazeres, pelos atrativos da sociedade. Eu fiquei ali tanto tempo que não sei mencionar, jogado na cama.

Eu pensei em todos os momentos em que fiz por eles o meu melhor. Segurei no colo e fiz dormir. Eu abracei em tantos momentos tentando acalmar o choro. Eu brinquei e cantei. Me lembrei de situações onde eu mesmo não tive isso do meu pai, mas proporcionei para meus filhos e quando já estava cansado de pensar ouvi a porta se abrir. Quando meus filhos entraram e me viram quieto, achavam que eu dormia e conversaram tranquilamente sobre o que seria feito dos meus bens, assim que eu morresse. Eu ainda estava vivo. Ainda estou! Eles não se importavam se eu iria ouvir e eu escutei tudo.

Eu senti o peito doer de tanta tristeza e frustração. Não existe nada mais valioso que o sentimento. Eu não me arrependo de tê-los amado com todo o coração. Ainda preciso entender onde foi que eu errei.
AMARO
13/08/17

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“SÃO COISAS QUE FAZEMOS NO IMPULSO, SEM MUITO REFLETIR”

Eu bebia pra esquecer. Pra esquecer a dificuldade, a falta de dinheiro. Eu bebia pra esquecer da fome e do preconceito que eu sofria por aí. Bebia mesmo e quando chegava em casa tudo me irritava. Eu não conseguia me controlar e quando percebia já tinha feito bobagem.

Aquela mulher me amava tanto que aguentava aquela vida miserável e aquele meu jeito ruim. Que pena! O menino ainda era pequeno e já via o meu jeito cruel, batendo na mãe. O pobre tentava acudir e eu ainda batia no moleque. É claro que eu me arrependi. Que pergunta... Eu não faria de novo porque estas coisas que me atormentam o pensamento. Eu não aguentei aquilo não e fui embora.

Eu achei que era melhor pra eles sem mim e sumi sem dar explicação. Eu não era bom pra nada. Eles não mereciam ser tratados daquela maneira. Fui embora e não entrei mais em contato. Nunca mais. Passei muitos momentos na vida. Daí pra frente parece até que piorou. Eu me lembrava sempre deles, em tudo o que fizesse vinham os dois na minha cabeça e eu ouvia: “Covarde!”. Será que era a minha própria consciência me avisando que eu não valia muito? Sei lá. Só sei dizer que isso foi o meu calvário.

Morri, de repente, de uma doença que eu nem sei como apareceu. Lá jogado no barraco fiquei com a barriga bem grande e morri. No mundo espiritual sofri como um cachorro sarnento. Eu fui pra lugares terríveis e precisei fugir de quem gritava: “Covarde! Você abandonou covarde! O que fez pra proteger o filho que recebeu?” Eu chorava e escutava choro de criança pra todo lado. Foi difícil de aguentar. É muita visão, muito choro. É o inferno amigo.

Quando cheguei aqui estava um trapo, nem sei por que foi que me trouxeram. Eu mesmo me considero um covarde, mas percebi que tudo o que a gente faz, carrega pra sempre. Eu fui egoísta e só pensei em mim. Que seria mais fácil sozinho. Nem liguei para como eles iriam se virar, se passariam mais fome sem mim. Graças a Deus a minha esposa era mulher decente e se virou pra cuidar dela e do menino que cresceu com dignidade, apesar de tudo.

Deus abençoa quem se esforça. Ela estava sempre bem amparada e o menino virou homem de bem, mesmo tendo tido, o pai que eu fui pra ele. Um nada, um zero. Podia ter sido marginal, delinquente, viciado, mas não. Virou pai de família e foi um filho amoroso com aquela mulher que foi joia de mãe. Só Deus mesmo pra saber da nossa vida. Eu peço perdão porque sei que o Antônio Donizete não teve o pai que merecia. Eu peço perdão porque minha esposa que já foi viver de novo merecia coisa bem melhor. Agora é consertar a cabeça pra tentar de novo.
JEREMIAS
13/08/17

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      “EU NUNCA QUIS SER PAI” 

Quando é que eu ia saber que aquele filho, um dia, ia ser a minha benção. Eu nunca quis ser pai. Eu vivia pra mim, pras minhas noitadas. Eu queria me divertir e achava que não precisava escolher uma mulher quando podia ter todas. Elas sempre souberam que eu não era de ninguém. Nunca enganei. Eu me envolvia e deixava claro que gostava de namorar, mas tem mulher que quer mudar o homem. Elas acham que é desafio mudar o cara que não sente afeto. Tanto que eu avisei e a mulher apareceu dizendo que apaixonou. E eu com isso? Apaixonou? Então, desapaixona.

Que nada. A mulher começou a me atormentar e, de repente, me aparece dizendo que estava grávida. Quê? Grávida? Eu quase tive um treco. Mandei ela sumir da minha frente e o que ela fez?

Foi falar com meus pais. Quando meu velho soube não perdeu tempo. Logo, me colocou anel no dedo, montou casa e me fez assumir família. Eu não queria compromisso com ninguém e levei de qualquer jeito. Fui vivendo por viver, tentando controlar aquela vida que não tinha nada de minha, mas meu pai estava sempre de olho e me fez ser ativo em casa. Eu olhava torto pra mulher que me castrou e quando percebi já estava acostumado com minha nova realidade. Fui vivendo. Muito tempo se passou, tivemos mais filhos, fui me acostumando com ela e quando, na minha velhice, precisei de cuidados e de refúgio porque minha esposa já havia partido, foi aquele filho que me recebeu em seu lar.

Abriu as portas da casa para mim e cuidou de tudo com o maior zelo e carinho. Depois que desencarnei recebi uma noticia que me deixou profundamente magoado. Ele não era meu filho de sangue. Ela me enganou, mentiu para mim para me amarrar. Dentre os quatro filhos que criamos, apenas ele quis ficar comigo, apenas ele quis cuidar de mim e apenas ele não era meu filho de sangue.

Nós nos enganamos com as pessoas. Nós nos equivocamos. Eu estou confuso quanto ao que sinto e a quem sou. Eu amo todos os meus filhos e sinto por ele um amor infinito, além da gratidão que nos une fortemente porque sempre serei agradecido pelo que fez nos momentos de dependência, quando tive necessidades tão essenciais e ele supriu todas. Meu filho eu te amo demais.
AFONSO LUÍS
13/08/17

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“EU PASSEI A MINHA VIDA TODA PROCURANDO POR ALGUÉM QUE NUNCA CONHECI”

Procurava por ele em mim, algum traço que pudesse identificá-lo. Sentia que alguma coisa nos unia e eu desejei tanto tê-lo conhecido. É ruim crescer sem pai. É como se você fosse diferente de tudo e de todos porque parece que é só metade.

Eu via os pais dos meus amigos e queria o meu. Todo mundo tem pai. É sim, todo mundo tem, mas nem sempre a pessoa conviveu com ele e isso faz toda a diferença. Eu preferia que tivéssemos tido algum problema no nosso relacionamento. Preferia que pudesse descrevê-lo como alguém ruim, insano, leviano, mas ao contrário disso, eu não tive ninguém. Nem uma forma leviana de maldade a que pudesse me identificar. Minha mãe foi uma heroína, mas tinha uma mente tão fértil, tão criativa.

De tempos em tempos, ela me apresentava um pai diferente e, apesar de nossa pobreza e falta de instrução, eu tive muitos tipos de pai. Pai militar que morreu na batalha, pai milionário que a havia abandonado, pai viciado que havia morrido de overdose, tive pai bandido, traficante, músico, ator...

Foram tantos quantos ela conseguisse criar e os filmes a incentivavam a me criar as imagens. Eu nunca compreendi por que ela fazia isso após os meus questionamentos. Só percebi quando cheguei aqui. Eu questionei, assim que cheguei. Onde está meu pai? Quem foi ele? Por que me abandonou?

E depois de uma série de apontamentos do meu instrutor, pude visualizar o local onde ele está. Eu chorei sentido e não consigo esquecer. Ele abusou de mamãe. Foi tão severo e repugnante que desejei nunca ter visto as imagens. Fez isso com tantas que carregou para si as consequências desastrosas de uma vida, de uma morte e de um pós morte na região umbralina junto a seres que o castigam até hoje. Um aspecto terrível, uma consciência no mal.

Minha mãe preferia qualquer pai, ao pai que eu realmente tive. Ela preferia me falar de qualquer pai a dizer o que realmente aconteceu com ela. O quanto sofreu, engravidou por causa disso e ainda me criou com o amor grandioso, mesmo tendo que se lembrar deste momento doloroso sempre que olhasse para mim. Ela me chamava de presente de Deus e minha mãe foi para mim, pai e mãe, dentro do que era permitido a ela.

Eu sinto muito pelos questionamentos que fiz porque sei que sempre que perguntava eu a fazia lembrar mais uma vez de todo o sofrimento que vivenciou. Hoje eu penso em auxiliá-lo. Sei que Deus tem um plano para cada um e assim que me reformar irei trabalhar para obter a permissão de ajudá-lo. Eu devo estar ligado a ele porque não consigo me esquecer dele. Que todos os homens possam ser conscientes quanto à responsabilidade de ser homem com as mulheres.

Que todos os homens possam ser conscientes a sua possibilidade de reproduzirem-se e serem responsáveis por outro ser. Grato.
LEÔNCIO

13/08/17

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